Notas de campanha (3)
1. Notícia do dia: O PS promete aumentar os salários dos trabalhadores do sector privado dando, em contrapartida, benefícios fiscais às empresas que concedam os aumentos. Por outras palavras, serão os trabalhadores a pagar os seus próprios aumentos e talvez ainda tenham de agradecer aos patrões e a António Costa tamanha generosidade…
2. Contacto com trabalhadores junto de uma empresa na Maia. Um
deles despeja: “Desta vez, vou votar no Ventura por vingança: tenho um filho
numa cadeira de rodas esmagado pelo carro de um cigano. O Ventura é que tem
razão!”. Procuro obter dele uma explicação para tal relação. Então e se o carro
fosse de um não cigano?... Em vão. Afasta-se com impropérios vários. A
irracionalidade do ódio expande-se como um pasto viçoso onde se nutre a
demagogia e o fascismo.
3. Audição com dirigentes e activistas de organizações
representativas dos profissionais de forças e serviços de segurança, no Porto.
O salão nobre da Junta de Freguesia do Bonfim está cheio – consideradas as
limitações de lotação. Sete intervenções muito interessantes e cheias de
conteúdo (o que um candidato aprende nestas andanças!), antes da alocução final
do secretário-geral do PCP, traçam um quadro preocupante – dos vencimentos por
aumentar na GNR desde 2009 ao facto de a Polícia Marítima nunca ter tido uma
lei orgânica nos eus 106 anos de existência, passando pela falta de candidatos
à PSP, pela inexplicável extinção do SEF, ou pelo valor inaceitável do subsídio
de risco (68,96 euros). Um quadro que sucessivos chumbos a propostas do PCP,
por PS, PSD e seus sucedâneos, “até por quem demagogicamente fala
constantemente em forças de segurança”, salientou Jerónimo de Sousa, não
permitiram alterar. Ora, acentuou, “segurança e tranquilidade dos cidadãos são
inseparáveis do próprio exercício das liberdades”.
4. O dia termina com um encontro com escritores e editores na
UNICEP, Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, uma tocante jornada de
testemunhos e experiências sobre as dificuldades materiais dos autores, a derrocada
de inúmeras livrarias independentes, esmagadas pela brutal concorrência dos
grandes grupos e superfícies comerciais, a constante violação da lei do preço
fixo, as desastrosas consequências da lei das rendas, a clamorosa ausência de
uma política para o livro e para a leitura, a falta de financiamento para a
renovação dos fundos das bibliotecas públicas e a necessidade do reforço do
Plano Nacional de Leitura, a escassez ou inexistência de apoios à promoção do
livro e da leitura, as inexplicáveis barreiras alfandegárias, com taxas
elevadíssimas, à circulação do livro no espaço lusófono e a “intransigência do
PS, secundado pelo PSD e pelos seus sucedâneos” (palavras de Jerónimo de Sousa)
à consignação de 1% do Orçamento do Estado para a Cultura.
5. Foi, enfim, uma “conversa inacabada mas que não se perdeu”,
na conclusão do secretário-geral do PCP, que recordou a consagração
constitucional dos direitos culturais com o 25 de Abril – “um impulso
revolucionário onde a Cultura encontrou lugar: era uma necessidade da vida,
também dos trabalhadores”, enfatizou Jerónimo de Sousa, depois de recordar as
suas próprias origens e a avidez com que os jovens procuravam os livros da
carrinha da Gulbenkian. No bairro operário “não havia livrarias nem bibliotecas,
mas tínhamos necessidade de livros”. Pela altura em que dizia estas palavras, o
dirigente comunista já tinha arrumado o texto da intervenção e os seus olhos
tinham desfraldado um sorriso tão brilhante que só podiam ser os do menino de
Pirescoxe talhado, como os demais, para a fábrica, mas que um dia se tornou um
dos deputados constituintes que elaboraram e aprovaram uma Constituição “com
seis artigos dedicados a direitos culturais – do 73.º ao 79.º”, precisou.