Na morte do Marco


Atrasado, demasiado atrasado, "perdido" em responsabilidades que me tomam os dias, dou conta agora da notícia da morte do Marco (Armando Moreira de seu nome "civil"), fotojornalista de primeiríssima água, pintor e artista gráfico, meu antigo camarada de Redacção no "Jornal de Notícias", companheiro em inúmeras reportagens e em dois ou três projectos que não chegamos a executar.

Embora afastado do jornalismo há muitos anos, devido à reforma (tinha 87 anos), o Marco permanece como uma das referências centrais do fotojornalismo - no Porto, sem dúvida, mas não só - e uma voz rara em defesa dos seus camaradas: bateu-se pelo lugar próprio dos fotojornalistas, que jornalistas são, e pelo direito à "ousadia" de escreverem (e o Marco escrevia como poucos); foi delegado sindical e membro do Conselho de Redacção do JN.

Foi um ser humano singular e um fotógrafo e fotojornalista com um olhar próprio sobre o mundo e as suas coisas, das paisagens rurais aos pelourinhos, dos rostos das gentes às aldeias de montanha de causar espanto, mas também um repórter como poucos. Partilhámos muitos dos melhores momentos que uma equipa de reportagem momentos, aprendi com ele a ler o património construído e discutimos muito os problemas da Natureza e da defesa do ambiente.

Nunca esqueci - e ainda hoje recordo amiúde - o desgosto que bem previra quando, talvez já quase há um quarto de século, fui ao seu laboratório no jornal (sim, somos desse tempo analógico em que cada fotojornalista tinha o seu próprio laboratório) pedir-lhe uma belíssima foto que eu lhe vira fazer na igreja de Figueira de Castelo Rodrigo, em cuja torre nidificava todos os anos um excelentíssimo casal de cegonhas. Que não entregava, porque os gráficos iriam cortar a torre, justificava-se. Que não, argumentava eu, porque o texto para o qual pretendia a imagem falava especificamente de cegonhas (ao tempo, eu tinha uma coluna dedicada ao ambiente designada "Manual de Sobrevivência"). E iria recomendar especial cuidado aos gráficos. Em vão. No dia seguinte, a foto dada à estampa "retratava" apenas uma inútil fachada do tempo - da torre e das cegonhas, nem rasto!

Em tempo: O Marco faz parte de uma geração de fotojornalistas verdadeiramente irrepetível, da qual resta, se não erro, um extraordinário e discreto representante - o António Pereira de Sousa, outro velho camarada de Redacção no JN. Vai sendo tempo de pensarmos numa homenagem.
A propósito, apanhando a boleia da Ana Vitória, aproveito-me, com a devida vénia, da belíssima foto do Marco cujos créditos são da Fotolândia, a outra casa do Pereira de Sousa.

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