Televisão: Ver, comentar, criticar, sugerir

Numa das suas participações de ontem, no debate em Rede sobre a RTP que a Fundação Francisco Manuel dos Santos está a realizar, Eduardo Cintra Torres contou ter perguntado, numa das suas turmas de Estudos de Televisão na Universidade Católica, quem costumava ver programas de televisão com outros membros da família, mas que ninguém levantou o braço, a não ser uma jovem (os seus alunos têm entre 19 e 23 anos) para inquirir se “o Natal conta para a resposta...”
Considero o episódio interessante e que vale a pena pensar nas conclusões a que Cintra Torres chega. Por mim, já lá escrevi o seguinte:  
O episódio singular das aulas de Eduardo Cintra Torres ontem descrito mereceria uma reflexão mais ampla sobre problemáticas que, podendo até ser conexas desta nossa discussão, infelizmente não poderão contribuir para alargar demasiado o âmbito deste debate.
Sem querer formular juízos sobre o referido episódio e o seu contexto (social, cultural, económico…), permito-me observar que, quer constitua uma singularidade, quer reflicta uma generalização, não deixa de ser preocupante a conclusão que dele se poderia extrair: a inexistência de fruição em comum (portanto, na família, em diálogo e em discussão) de bens e serviços culturais, desde logo a televisão.
A ser verdadeira (enfim, muitas famílias que conheço não são assim), tal inexistência diria muito sobre as profundas transformações na Sociedade e a sobre a saúde das famílias. Para o que interessa a este debate, tornaria o problema da fruição partilhada de televisão – especulo agora – “apenas” num resultado susceptível de constituir uma referência, uma pista, uma inspiração para produtores, programadores e distribuidores de conteúdos. Nesse sentido, há que pensar na conclusão a que Cintra Torres chega quanto às estratégias de oferta de conteúdos.
Como contribuição, respigo alguns resultados de um importante trabalho realizado em 2007 por uma vasta equipa de investigadores de várias escolas universitárias e politécnicas, liderada por José Rebelo (ISCTE) – “Estudo de Recepção dos Meios de Comunicação Social (ERC, 2008):
  •  Sobre a justificação da existência de serviço público de televisão, a maioria dos inquiridos (amostra de 2.205 entrevistas), pronunciou-se sempre favoravelmente, quer na sua estratificação segundo a escolarização (entre 59,1%, nos inquiridos até quatro anos de escolaridade, e 72,6% daqueles que tinham mais de 12 anos), quer segundo a idade (59,9% bo grupo até aos 30 anos e 65,8% no grupo 31-50 anos) , ou o género.
  • Embora fosse a menos preferida (a primeira era a TVI, depois a SIC), a RTP1 era o canal considerado mais credível em todos os graus de escolaridade, todas as idades e ambos os géneros.
  • Independentemente dos canais e dos programas da sua preferência (a informação é de longe o tipo de programa preferido), os telespectadores “não discutem, ou pouco discutem, o que vêem”, e “estranha-se, em particular, o alheamento, a esse respeito, dos que possuem formação superior”.
  • De facto, apenas 19% dos inquiridos com mais de 12 anos de escolaridade discutem frequentemente programas com familiares, amigos ou colegas (a percentagem maior pertence ao grupo de indivíduos com cinco a nove anos de escolaridade).
  • Por idades, as percentagens dos que o fazem é de 41,9% no grupo até aos 30 anos, 41% no grupo 31-50 anos e de 14,1% no grupo 51-64 anos.
  • Quanto às contribuições com críticas e sugestões para melhorar a televisão, mais programas educativos e culturais, mais documentários, filmes e séries de qualidade representaram 30% do total da amostra, sendo sempre muito significativa a participação de inquiridos até aos 30 anos, 47,4% dos quais reclamaram mais programas de qualidade em horário nobre.
  • Ainda no capítulo das contribuições para melhorar a televisão, contrariamente às expectativas dos investigadores, a percentagem de respostas de indivíduos com formação superior foi de apenas 12%. Analisando-se as sugestões por anos de escolaridade, verifica-se, por exemplo, que este grupo está pouco receptivo à produção portuguesa (apenas 1,9% a sugerem), é o que menos pede que se reduzam as repetições de filmes, séries, etc. (5,4%) e é o que menos pede mais programas de qualidade em horário nobre (7,1%).  

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