O potencial da RTP e o precioso filão nacional por explorar

Tendo-me alongado na participação anterior, no debate a RTP que o sítio da Fundação Francisco Manuel dos Santos está a promover, não aflorei sequer algumas questões pertinentes tratadas pelos meus ilustres colegas e pelo magnífico moderador deste debate. É o que tento fazer agora.
Atalho de imediato para a matéria que parece corresponder a uma urgência do Governo (em rigor, do PSD, mas do Governo por mera solidariedade intra-coligação) que é a privatização de um canal da RTP (e outro da RDP, não esqueçamos), para concordar com Pedro Norton na conclusão de que não há espaço para mais um operador privado de televisão.
Mesmo quem não tem acesso às contas mais miúdas das empresas e às tabelas reais de publicidade praticadas pelos operadores de televisão, “percebe-se” quão violenta está sendo a disputa do magro bolo publicitário, não só entre eles, mas também entre o segmento televisão e outros – imprensa em particular.
E não é uma questão de mera percepção ao alcance dos cidadãos. Ainda há menos de duas semanas, foi tornado público o Relatório da Regulação do sector relativo a 2010, em cuja introdução o presidente do Conselho Regulador da ERC, Azeredo Lopes, escrevia:
“A tendência actual para a prática de taxas de descontos inimagináveis (…) vai, obrigatoriamente, fazer com que a concorrência pela publicidade (que cada vez mais parece a peau de chagrin de que falava um autor) seja cada vez mais agressiva. Para dar um exemplo concreto, e como descrição mais precisa do fenómeno, foram reportados e demonstrados perante o regulador situações em que um operador generalista cobrava um preço tal por spot que, pura e simplesmente, concorria, directamente, com um determinado jornal local”.
E passo à seguinte – a alegação de Eduardo Cintra Torres segundo a qual “cresce o número de pessoas que considera a RTP inútil, que não se revê nela, que defende a sua extinção”.
“Trata-se”, acrescenta, “de um movimento social em crescimento que ninguém pode ignorar e que revela bem o desacordo dos conteúdos da RTP com o que esse número crescente de pessoas esperaria.
Não sendo um cientista social e sendo obviamente incompetente para discutir tal asserção, bem poderia afirmar que a minha percepção junto de outras realidades que estão para além das caixas de comentários na Internet não vão no mesmo sentido.
Valendo a minha percepção (aliás interessada…) o que vale, sempre posso trazer aqui uma notícia bem recente (ontem mesmo) do jornal “Público”, sobre as conclusões a que chegou um estudo do Obercom, segundo as quais:
a)      A maioria dos inquiridos (1258) considera que o serviço público de televisão é importante e deve existir;
b)      Esse serviço garante uma cobertura mais eficaz dos acontecimentos do que os outros operadores;
c)       É também o mais activo na promoção da língua portuguesa;
d)      Assegura a independência face aos organismos públicos/governamentais;
e)      Promove de forma mais activa as questões da cidadania
É verdade que as caixas de comentários nas notícias na Rede e postais na blogosfera e redes sociais tendem com frequência a propor a extinção da RTP. Fazem-no sobretudo em reacção a textos alusivos à recorrente temática do défice da empresa (aliás recorrente desde logo no discurso do Governo) ou simplesmente contaminados por eles, dado o seu manifesto predomínio no espaço público, em detrimento do debate mais amplo.
Nesse contexto, e passe o que poderia parecer um preconceito intelectual contra a participação dos cidadãos, é possível identificar nessa torrente o predomínio de fórmulas excessivamente simplistas, redutoras e até mesquinhas de encarar o problema, especialmente quando se discutem… retribuições…
A discussão dos custos elevados da RTP e da sua racionalidade e justificação é útil e necessária e deve ser feita sem complexos e com toda a clareza. Mas deve ter em conta não apenas a alocação de recursos à vastidão e à complexidade das obrigações que lhe estão cometidas pela lei e pelo contrato de concessão, mas também do enorme potencial (capacidade técnica e profissional, por exemplo) ainda por explorar em boa parte, designadamente no domínio da produção própria de programas, incluindo a concepção original  – da informação à ficção, do entretenimento à educação, do património natural e cultural à criação artística e literária.
E aqui chego à questão da nova arquitectura (minimalista) do serviço público proposta por Cintra Torres. Se a RTP (e a RDP) empenhasse em mais produção própria – para si e para o mercado, pois então! – os seus meios, capacidades e experiência e explorasse plenamente o precioso filão literário, artístico, patrimonial, natural e paisagístico, cultural, turístico, social e económico do país, bem como a capacidade – instalada e emergente – nas áreas da música e artes do espectáculo e do audiovisual informativo, documental e de ficção, quer em criações novas, quer em divulgação dos arquivos, o dispositivo de canais já hoje à disposição do público, no país e fora dele, seria manifestamente insuficiente.
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