Pecados privados da Santa Casa no Hospital da Cruz Vermelha

Há dias, por ocasião de uma justa greve dos trabalhadores do Hospital da Cruz Vermelha (HCV), em defesa do seu Acordo de Empresa (AE), chocou-me a justificação dada pelo Conselho de Administração para a denúncia desse instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (IRCT), com a consequente caducidade.

Segundo foi amplamente noticiado, citando o respectivo comunicado, a Administração explicou que “a caducidade do AE visou, desde a primeira hora, colocar o HCV no mesmo patamar da hospitalização privada, sem se encontrar sujeito a uma contratação colectiva claramente desusada e desajustada da realidade do mercado”.

“No mesmo patamar da hospitalização privada”??!! Com que então, um hospital que está háum ano sob o controlo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (ver também aqui), instituição que se reclama do terceiro sector, ou sector social, solidário, não lucrativo, pretende colocar-se “no mesmo patamar da hospitalização privada”? O que distingue então a STML das cufes, dos lusíadas, das trofas-saúde, dos mellos-saúde e demais privados desta vida?

A contratação colectiva que vincula o HCV e, portanto, a SCML, é “desusada e desjustada da realidade do mercado”?! Mas o sector social, o terceiro sector, está subordinado às regras do mercado? Então, quando é que o HCV e a SCML saltam do barco do terceiro sector e vão navegar nas águas da iniciativa privada pura e dura?

Foi o que pensei na altura, porque algo não está bem.

Nem por acaso, hoje mesmo, a Autoridadeda Concorrência publicou uma nota cujo título significativamente muito diz:

AdC acusa Santa Casa da Misericórdia de Lisboa da realização de uma operação de concentração sem notificação prévia

Foi preciso uma autoridade pública intervir para elevar o HCV/SCML ao “patamar” da iniciativa privada…


(A foto é do media center da SCML) 

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