Diário Off (5)
Desconfinamento.
Entenda-se por movimento de saída do estado de confinamento. Diz o Governo que
há-de ser progressivo e condicionado, pois diz temos de obedecer ao determinado
na declaração
do estado de calamidade. Se não resultar, diz o primeiro-ministro que não
se envergonhará de dar um passo atrás. Diz-se também (retenho
de memória) que é “regresso paulatino a uma nova normalidade” e que isso
significa que abandonaremos muitos (ou alguns…) hábitos e gestos rituais.
Tendo
Sua Excelência o Presidente da República regressado, nesta manhã, ao convívio
com os seus concidadãos em pleno Chiado e livrarias a reabastecer-se de livros
(gesto nobre), reparei – ou as televisões não as mostraram, por contenção
sanitária – que não retomou porém o histriónico hábito de oferecer-se aos
transeuntes para “selfies”. Oxalá mantenha bem ao largo o afecto exibicionista.
Por falar em Sua Excelência. Veio o Prof. Doutor
Marcelo Rebelo de Sousa esclarecer que, ao prever, no último Decreto
Presidencial que procede à segunda renovação do estado de emergência, a
possibilidade de celebração do 1.º de maio de 20, o que “tinha no espírito” “era
mais simbólica e mais restritiva” e “não era
desta dimensão e deste número".
"Confesso que quando pensei na
regra pensei numa cerimónia mais simbólica, mais restritiva, menos ampla, do
tipo da cerimónia do 25 de abril", quis aclarar. Ou seja, a
"interpretação das autoridades sanitárias foi mais extensa, ampla e
vasta".
Sem dar-se ao trabalho da
verificação, a generalidade dos meios de informação decidiu abocanhar mais este
naco para prosseguir em matilha acrítica a sua perseguição à suculenta presa
que lhe parece ser o 1.º de Maio e a sua organização.
Foram muitos, com a SIC
e o Expresso
em destaque, mas com a RTP a fazer a pergunta da ordem: “O Senhor Presidente
não gostou do que viu na Alameda?”
E o que poderia o Senhor Presidente
ter esperado ver segundo as palavras lavradas no Presidencial Decreto? Nada menos do que viu, tendo em conta o que está lavrado no Decreto que assinou: “Tendo em consideração que no final do novo período se comemora o Dia do
Trabalhador, as limitações ao direito de deslocação deverão ser aplicadas de
modo a permitir tal comemoração, embora com os limites de saúde pública
previstos no artigo 4.º, alínea e), do presente
Decreto.”
Eis o que nessa disposição consta:
“e) Direito de reunião e de manifestação: podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes, com base na posição da Autoridade de Saúde Nacional, as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, incluindo a limitação ou proibição de realização de reuniões ou manifestações que, pelo número de pessoas envolvidas, potenciem a transmissão do novo coronavírus;”
Não se compreende, e os media também não ajudam a esclarecer, por
que razões Marcelo Rebelo de Sousa não se remeteu à contenção que as suas
funções constitucionais aconselham, em vez de distribuir mais um osso de
polémica, sabendo – como o antigo colunista de jornais e comentador televisivo
sabe muito bem – que eles estariam prontos a abocanhar.