O Egipto, os museus e o direito à fruição do património

Agenda (e não só...).
O Prof. Doutor Luís Aires de Barros profere hoje, pelas 17 horas, na Sala Maynense, da Academia das Ciências de Lisboa, uma conferência subordinada ao título "Arte no Tempo".
A propósito, Paulo Alves Guerra conversou com o conferencista, esta manhã, na Antena 2, no programa "Império dos Sentidos" (de segunda a sexta-feira, das 7 às 10 horas), programa que escuto todos os dias com agrado e proveito.
A dada altura da conversa, instado a comentar, a pretexto dos históricos acontecimentos em curso no Egipto, a intenção das autoridades egípcias de restringir o acesso a certos monumentos, Luís Aires de Barros, evitando elegantemente pronunciar-se em definitivo sobre as medidas (escrevo de memória, e com uma memória condicionada pela atenção à condução automóvel matinal), discorreu sobre um exemplo familiar a tantos de nós para chamar a atenção para um problema em todo o mundo culto: as consequências para a exposição permanente de peças do património material móvel.
O exemplo, muito vulgar para quem frequenta museus, especialmente os de Arte Sacra ou nos quais se apresentam espécimes pertencentes a a esta disciplina, era o da casula episcopal. Como se sabe, a casula é uma veste sacerdotal envergada nos actos religiosos, sobretudo na administração de sacramentos, existindo inúmeras peças de uma enorme riqueza (são conhecidas tantas e tantas bordadas a ouro e prata e ornadas com pedras preciosas, sem deixar de ter em conta o labor artístico da sua ornamentação) em locais que vão de modestas vitrinas de pequena igrejas paroquiais aos tesouros das mais importantes catedrais, museus municipais, museus de Arte, etc. etc.
Tudo isto dito, vamos ao ponto da fala de Luís Aires de Barros, em desenvolvimento da apresentação do tão comum exemplo, que me deixou a pensar. Novamente fiando-me na minha memória: observou ele que as vistosas e preciosas casulas episcopais que vemos em tantos museus foram feitas para serem usadas em dois ou três dias do ano canonicamente festivos - o Natal e a Páscoa sem dúvida; o do orago da diocese ou de paróquia prestigiada porventura - recolhendo-se depois, repousadamente, à escuridão dos gavetões dos arcazes (espécie de cómodas destinadas a guardar os paramentos nas sacristias) e assim sendo durante séculos.
Ora, problematiza o académico, acontece que a exposição permanente das casulas - e, acrescento eu, quem diz casulas diz outros paramentos e outras vestes, sacerdotais ou não - seja nos manequins seja em cruzetas, seja pela fixação em suportes, submete as peças, feitas em fibras naturais (geralmente em linho), a uma tensão permanente que leva à degradação das fibras. Por outro lado, alegou ainda, em vez de estarem resguardadas da luz na escuridão dos gavetões, tais peças são diariamente expostas a cargas de energia algures entre as oito da manhã e as seis da tarde.
Escutando este pequeno exemplo, dei-me conta dos custos que terá a fruição da memória e do património que os museus, catedrais, matrizes e modestas paroquiais - da degradação das fibras naturais das vestes sacerdotais ao desgaste de escadas de campanários e palácios. Mas também do necessário esforço para tornar possível que todos continuemos a fruir dessa memória e desse património com a menor restrição possível.
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