Sobre o cinismo da ministra do Desemprego

Volto à promoção dos despedimentos a preços de saldo pela dupla Governo/patronato, para observar que, ontem, não cheguei a tocar num ponto das propostas da ministra, chamada do Trabalho, Helena André, que é o da limitação do valor da indemnização a apenas 12 meses, em vez de um número de meses equivalente à antiguidade do trabalhador despedido.
É uma redução brutal e profundamente injusta, pelas razões que ontem aduzi e outras que poderia carrear para este debate, mas que só por completa, cega e surda submissão aos interesses patronais se pode aceitar. Na verdade, trata-se de uma indecorosa capitulação do Estado Social face ao poder económico.
Mais valia a ministra do Desemprego ter dito aos jornalistas que não tem outro remédio senão vergar-se perante os capitalistas do que vir tentar explicar que "não somos uma ilha" (cito da imprensa) e que, por isso, diz ela, temos que seguir outros exemplos num sistema de competição (atenção: segundo ela, não apenas entre empresas, mas também entre trabalhadores!) numa economia cada vez mais global.
Ponhamos de lado, por ora, o simples mas importante facto de um despedimento não justificado por razões disciplinares ser sempre - e sempre! -, por definição, injusto. Discutamos apenas o argumento, bem pífio, da ministra do Desemprego, segundo o qual o Governo tenciona seguir o exemplo de outros países. E coloquemos sobre a mesa outros aspectos que importa ter em conta para balancear com tal "medida". Apenas alguns exemplos:
  1. Tenciona o Governo aumentar o valor do salário mínimo nacional para o equivalente ao pago noutros países, a começar por Espanha?
  2. Tenciona o Governo melhorar as prestações sociais dos desempregados e adequá-las ao problema da duração prolongada do desemprego, garantindo, em ambos os casos, rendimentos dignos? 
  3. Tenciona o Governo promover instantâneas e milagrosas medidas que requalifiquem efectivamente os trabalhadores para novas oportunidades de emprego?
  4. Tenciona o Governo implementar medidas que impeçam as empresas de explorar os trabalhadores desempregados em novos e sucessivos ciclos de trabalho barato e precário?
  5. Tenciona o Governo apostar no apoio a soluções colectivas de garantia, pelos próprios trabalhadores, de soluções de emprego e rendimento, designadamente a via cooperativa e mesmo a auto-gestão?
  6. Tenciona o Governo apostar na recuperação e valorização do tecido produtivo nacional, da agricultura, floresta e pescas à indústria, dos serviços à inovação? 
  7. Tenciona o Governo dotar a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) de efectivos meios de fiscalização nas empresas, penalizar a utilização de trabalho precário e a violação de direitos dos trabalhadores?
  8. Tenciona o Governo criar condições para que a Justiça Laboral seja um direito efectivo e consequente e não um corredor impiedoso onde milhares de trabalhadores penam - quando não desistem! - na esperança de receber salários em atraso, de serem reparados de um despedimento ilegal, etc., etc.?

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