Notas de campanha (4)

1. O homem, ar desgastado pela idade e pelo trabalho, perscrutava com insistência a abertura da sacola de supermercado que aguardava sobre o banco de jardim o início da distribuição dos documentos de campanha no acesso à feira da Santana. Um molhe de bandeiras enroladas denunciava a natureza do material. E ele ia esticando o pescoço, à procura de algo. Aproximei-me e preparei-me para oferecer-lhe um dos desdobráveis. "Não tem umas canetas?" Que não, mas gostava de oferecer-lhe o documento com as nossas propostas. Ele declinou. "Precisava de umas canetas, não tem?", insistiu. "Era para os meus netos, vão para a escola", esclareceu. "Perguntar não ofende, pois não?".

2. Era a manhã das canetas e dos brindes. Páginas tantas, chegou uma vasta comitiva de outra candidatura e entrou pela feira dentro carregada de material de campanha. Não tardou que começassem a sair do recinto clientes satisfeitos com esferográficas, blocos e sacos vistosos com o símbolo de outra lista impresso. Uma senhora interpelou-me: "Por favor ponha aqui o seu programa, que eu gosto de ler de todos!" E lá introduzi o nosso documento no saco da "concorrência", de súbito transformado em receptáculo plural.

3. Uma mulher mostrou uma ostensiva renitência em aceitar a propaganda. "Para quê? Nem resolvem o meu problema!" Dava-se o caso, esclareceu, de estar inscrita para uma habitação pública há cinco anos e ainda não lhe ter sido atribuída. E desatou um rol de queixas - porque se pertencesse a certa "etnia" já a tinha... por aí fora. A Habitação é uma das áreas em que é perigosamente fácil lançar pobres para pobres e torná-los pasto do ascenso da extrema-direita.

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