Sobre as tretas antidemocráticas

Há muitos anos que perdi a pachorra para dar troco à conversa da treta antidemocrática segundo a qual não vale a pena votar, os políticos e os partidos são todos iguais, não fazem nada, blá-blá-blá… , e lastimo ouvi-la da boca de pessoas qualificadas e ocupando certas profissões.
Vem isto a propósito de declarações de duas pessoas muito na ordem do dia – uma, Fernando Nobre, confirmando que tem uma visão muito estranha de democracia e de intervenção política; outra, António Marinho Pinto, revelando, confesso, uma noção de punição democrática que não esperava nele.
O primeiro aceitou ser cabeça-de-lista por um partido (para o caso, não importa qual) com a condição de ser o próximo Presidente da República. Depois de ter afirmado categoricamente (“categoricamente, não!”, dissera) que jamais concorreria por um partido a um cargo político, veio agora dizer (entrevista ao “Expresso”) que aceitou sê-lo com a condição única e exclusiva de que será o próximo Presidente da Assembleia da República, ou então renuncia ao cargo que o povo lhe conferir.
O segundo veio dizer, numa entrevista à TSF, que estranha que o povo continue a votar e que deveria agora nem sequer comparecer ao escrutínio marcado para o dia 5 de Junho – já agora, aquele que pode, precisamente, mudar muita coisa… - e assim castigar os políticos incompetentes e tal e coisa.
O caso de Fernando Nobre inquieta porque este senhor será fatalmente eleito, se o PSD mantiver a anunciada intenção de apresentá-lo nessa posição ao eleitorado. O caso de Marinho Pinto incomoda, porque, sendo um advogado e antigo jornalista que não só sofreu na pele, como cidadão, os custos da repressão das liberdades, mas também foi eleito democraticamente para o cargo que agora ocupa e para outros que ocupara antes, e, sobretudo como advogado e como bastonário da sua Ordem, sabe que peso, que valor e que importância tem o voto, expressão maior da participação democrática.
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