A Democracia, "os principais partidos" e os discursos dominantes

Não queria ser aborrecido nem causar enfado escusado às minhas leitoras e aos meus leitores, às cidadãs e aos cidadãos em geral e às eleitoras e aos eleitores em particular. Mas gostaria de tomar-lhes uma breve porção do tempo precioso para chamar a atenção para uma estranha inovação semântica nos discursos e na narrativa da crise que muito me incomoda e que, salvo melhor e mais qualificada opinião, me parece nada democrática.
Consiste, essa inovação, na introdução de uma figura política chamada “os principais partidos”, sem que alguém viesse autorizadamente explicar que figura é essa, com que critérios e com legitimidade tal figura nos é imposta no discurso dominante, seja no discurso dos políticos dominantes, seja no discurso dominante nos media.
Felizmente, as tecnologias do capitalismo – que a gente pode pôr ao serviço da luta de classes (valha-nos ao menos isso!) – ainda nos permitem um arrimo para mostrarmos sem grandes delongas ao que vimos.
Basta, para o caso, escrever entre aspas, num qualquer motor de busca na Rede, a expressão “principais partidos”.
Logo brota uma cascata electrónica de declarações das mais altas instâncias políticas e económicas (ou pela ordem contrária?!) e um tal manifesto de umas tais 45 (ou 47?) personalidades, todas canalizadas em angustioso funil para o ingente apelo ao entendimento entre o Presidente da República, o Governo e os principais partidos para a resolução da crise e tal e coisa, e logo trata de identificar, circunscrevendo os seus limites, tais “os principais” – PS, PSD e CDS.
Ora, para que conste e para os devidos efeitos, parece-me que uma tal inovação semântica é tão atamancada democraticamente que simplesmente ignora a aritmética do sufrágio popular de 2009 que determinou quais são, no presente momento, “os principais partidos”, que são, a saber, o PS, o PSD, o CDS, o BE, o PCP e o PEV, e que simplesmente manda a outra parte que não quero dizer o princípio da representação da vontade do Povo.
 Ou é preciso explicar melhor? 

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