A "Abrilada" de Botelho Moniz foi há 50 anos

Há meio século, o país viveu sem saber, silenciada nos jornais, uma tentativa de golpe de Estado dentro do próprio regime que talvez tivesse mudado o rumo da guerra colonial que ainda estava no início. O pronunciamento do ministro da Defesa, Botelho Moniz, e outros governantes acabou no ridículo e o presidente do Conselho proferiu o decisivo grito de guerra.
“Andar rapidamente e em força (para Angola) é o objectivo que vai pôr à prova a nossa capacidade de decisão”, declarou Oliveira Salazar numa comunicação via rádio e televisão, após a Emissora Nacional anunciar, pouco depois das 15 horas do dia 13 de Abril de 1961, a exoneração dos ministros da Defesa, general Botelho Moniz, cuja pasta foi assumida pelo próprio presidente do Conselho, e do Exército, coronel Almeida Fernandes, do subsecretário de Estado do Exército, tenente-coronel Costa Gomes, e do chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, general Beleza Ferraz, e outras altas figuras.
Enquanto começava a posse dos novos membros do Governo e chefes militares, às 17h30, os demitidos faziam a derradeira reunião de conspiração no Ministério da Defesa, cercado por tropas pára-quedistas da Força Aérea e da Legião Portuguesa, surpreendidos num ágil contragolpe da dupla Kaúlza de Arriaga-Salazar que neutralizou um pronunciamento militarmente mal preparado e politicamente isolado, congeminado entre as cúpulas e desligado de outros escalões da oficialidade e do mundo civil.
A intentona, que também ficou conhecida por “Abrilada”, não foi notícia e não foi preso nenhum dos sediciosos, entre os quais o marechal Craveiro Lopes, ex-Presidente da República. Caso contrário, as repercussões públicas seriam enormes, sobretudo desde o chamado terramoto delgadista (eleições 1958), e cavariam maiores divisões nos meios militares, cansados de sustentar o regime e desejando evitar o envolvimento na guerra colonial que acabava de começar, com os ataques à cadeias de Luanda, a 4 de Fevereiro, e os ataques desencadeados pela União das Populações de Angola (UPA), no Norte de Angola, no dia 15 de Março.
Depois do terramoto delgadista
Numa carta a Salazar, em 25 de Março, dez dias depois dos massacres no Norte de Angola e quase dois meses depois dos ataques às cadeias de Luanda, Botelho Moniz afirmara que a situação era “insustentável” para as Forças Armadas e antevia um futuro funesto se não o governo não se encaminhasse para uma solução de tipo federativo para as colónias.
“Poderemos ficar à mercê de um ataque frontal com forças dispersas pelos quatro continentes, sem meios bastantes e com uma missão de suicídio da qual não seremos capazes de sair, uma vez que a política lhe não encontra solução nem parece capaz de a procurar”, avisava, chamando a atenção para a incapacidade do governo de fazer face à situação internacional e colonial e defendendo alterações no regime, fazendo-o evoluir “na continuidade”.
Um memorando do chefe de Estado-Maior da Força Aérea, general Albuquerque Freitas (um dos principais conspiradores) distribuído na reunião do Conselho Superior Militar de 29 de Fevereiro fazia eco do desconforto da tropa com a revelação do isolamento do regime na cena internacional feita pelo caso do assalto ao paquete “Santa Maria” (22 de Janeiro) e chamava a atenção para as vítimas que em África se batiam e se perguntavam “se não estarão a arriscar simultaneamente a vida, devido a situações imorais (…) que, em grande medida, conduziram à rebeldia dos habitantes”.
Salazar resistiu manhosamente a dar respostas a Moniz nas duas reuniões inconclusivas que com ele manteve, em 28 e 29 de Março. E Moniz, que mantinha o embaixador norte-americano permanentemente informado (a 9 de Abril, anuncia-lhe que vai insistir com o presidente da República, Américo Tomás, com quem se avistara no dia 5, para que este destituísse Salazar), força os acontecimentos, que se precipitam rapidamente.
Três dias decisivos
No dia 10, o subsecretário de Estado da Aeronáutica, general Kaúlza de Arriaga, fiel operacional de Salazar, apura que os comandantes de unidades militares de Lisboa receberam ordem para se prepararem porque Salazar seria destituído compulsivamente. No dia seguinte, pela manhã, espreme o ministro do Exército, que lhe confirma a iminência do risco de uma guerra civil. Aliás, Kaúlza chega a ser convocado para as reuniões conspirativas…
No dia 11, é dada ordem de prevenção ao Exército pelo  lado dos sediciosos, apesar de se pensar que apenas dois batalhões da escola Prática de Infantaria de Mafra estariam preparados para marchar sobre Lisboa; do lado do regime, assegura-se a prontidão da Força Aérea. Às 22 horas, Tomás recebe o ditador; à meia noite recebe os ministros da Defesa e do Exército, que vão insistir na demissão do presidente do Conselho. Tomás promete resposta no dia seguinte...
No dia 12, Salazar tem a Marinha de prevenção e garantida a fidelidade das forças de segurança (além da Legião) e Moniz recebe uma carta de Tomás comunicando-lhe a intenção de renovar a confiança no presidente do Conselho. Durante a tarde a noite, sucedem-se reuniões em casa de Kaúlza e em S. Bento, discutindo nomes para a remodelação (na qual o fiel servidor não é promovido…) e a substituição dos comandos militares revoltosos.
A remodelação é precipitada a partir do meio-dia, por indicação de Kaúlza, que obtém informações sobre a realização da reunião decisiva dos revoltosos às 17 horas, na Cova da Moura, e propõe a Tomás e Salazar a consumação da sua substituição. Surpreendidos no seu plenário ilegal e decapitado (muitos comandantes foram impedidos de comparecer), ou desistiam ou arriscavam a confrontação militar. Desistiram, humilhados. Consta que nem o motorista de Moniz lhe obedeceu e que ele teve de andar á procura de táxi para sair do Ministério.  
Bibliografia essencial: Fernando Rosas, “O Estado Novo” (vol. 7 de “História de Portugal”, dir. José Mattoso, Círculo de Leitores, 1994); Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, “Os Anos da Guerra. 1961-1975”, Quidnovi, 2010), Avelino Rodrigues, Cesário Borga e Mário Cardoso, “O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril”, D. Quixote, 2001; “Jornal de Notícias” e “Diário Popular”.

OBS: O recorte na foto é do "Diário Popular" de 13 de Abril de 1961
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