Direito à habitação: a situação na região do Porto

No âmbito da campanha "Viver melhor na nossa terra", o PCP realizou, hoje, na Associação de Moradores da Zona do Campo Alegre, com a participação do secretário-geral do Partido, Paulo Raimundo, uma importantíssima sessão pública subordinada ao tema "Pelo direito à habitação - testemunhos da realidade na região do Porto".

Sendo o deputado do PCP pelo círculo círculo do Porto, tive o privilégio de dizer o que vai transcrito abaixo. 

Mas gostaria de salientar a qualidade e o dramatismo dos testemunhos partilhados nesta importantíssima iniciativa, que deixou a transbordar o salão daquela associação que, em 1980, teve a "ousadia" de construir 56 fogos de habitação a custos controlados num zona, ainda hoje chic, mas tão chic à época que a então directora (e fundadora) de O Diabo, Vera Lagoa, lhe chamou, de modo ofensivo, "mamarracho".

Eis o que escrevi para dizer:

A região do Porto continua a verificar gravíssimos problemas de habitação, que as políticas públicas não resolvem, nem mesmo com as carradas de milhões de euros prometidos no âmbito do famoso PRR.

Mesmo segundo os dados já então claramente subestimados do Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional feito, em 2017, pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), que dava conta de um total, no país, de 25 762 famílias em situação “claramente insatisfatória” e de 31 526 fogos “sem as condições mínimas de habitabilidade”, a resposta, volvidos estes anos, não só foi insatisfatória como está cada vez mais longe de resolver o problema.

O número redondo famílias que então se apontava em todo o país para realojar até 2026 no âmbito do Programa 1.º Direito, estimado em 26 mil, continua a ser o mesmo que designadamente no Orçamento do Estado para 2024 o Governo indica para o mesmo horizonte.

Só no distrito do Porto, era identificada a necessidade de realojamento de 5 084 famílias que viviam em condições indignas, atingindo as 5 222 na Área Metropolitana, destacando-se, como os cinco municípios com maiores carências, o Porto, com 2 094, seguido de Vila Nova de Gaia, com 824; a Maia, com 794; Gondomar (502); Valongo (363); e Matosinhos (190).

Aqueles números estavam, como continuam a estar, longe da resposta ao problema do número de fogos classificados como não oferecendo as “mínimas condições de habitabilidade” – nada menos de 8 484 no distrito e 8 659 na Área Metropolitana.

É verdade que o Porto tem lançados 1 610 fogos a construir em quatro anos, mas estima-se que três mil famílias estejam a necessitar e casa; a Maia promete 757 fogos no âmbito do 1.º Direito, mas, em Maio passado, já somava um total de 2 598 pedidos de habitação pendentes; e em Matosinhos há mais de 1 700 famílias a precisar de casa.

Uma visita aos acordos celebrados entre o IHRU e os municípios, destinados a construção de empreendimentos, reabilitação de prédios ou fracções, aquisição de prédios ou fracções degradados para reabilitação e arrendamento de habitações para subarrendamento, indica que, para o Porto, estão previstos 1 740 fogos até 2025; para a Maia, 757, dos quais apenas 277 destinados especificamente a responder a pedidos pendentes; e, para Matosinhos, 1 691, embora boa parte consista em reabilitação de fogos em empreendimentos já existentes e ocupados, mas destinando 828 a suprir carências em lista de espera e 104 para responder a situações específicas, como as transição para pessoas sem abrigo, jovens em processo de autonomização, pessoas em alta hospitalar sem solução habitacional, vítimas de violência doméstica, inserção de pessoas com dependência ou deficiência sem habitação adequada.   

 

Para além dos registos estatísticos do levantamento nacional e dos pedidos pendentes nos serviços ou empresas municipais de habitação, é urgente a realização de campanhas de recenseamento das necessidades, percorrendo todos os cantos e esconsos para a localização e caracterização de núcleos e fogos de habitação degradada e mesmo indigna que têm escapado ao radar das autarquias e constituem uma realidade mais dramática ainda.

Uma evidência desta necessidade é a referência, em vários relatórios técnicos destinados a operações de reabilitação urbana à existência de núcleos de habitação degradada ou abarracada que nem sequer são objecto de pedido de habitação.

Não é por acaso que o PCP tem apontado a urgência da construção de pelo menos 50 mil habitações para outras tantas famílias que vivem em condições indignas.

Assim como é urgente tomar medidas de fundo para contrariar a espiral de especulação que esmaga milhares e milhares de famílias a braços com o agravamento dos custos com a compra ou o aluguer de habitação e dos juros impostos pela banca, que continua a engordar com lucros superiores a 15 milhões de euros por dia.

Só no segundo trimestre deste ano, o preço mediano das casas vendidas em Portugal aumentou 9% comparado com o período homólogo do ano passado, atingindo o valor de 1 629 euros por metro quadrado. Na Área Metropolitana do Porto, atingiu os 1 802 euros por metro quadrado, num aumento de 14,3%. No município do Porto, o valor mais elevado atingiu 2 875 euros (+13,4%), segundo dados do INE.

Em termos absolutos, os preços das habitações à venda, segundo o último relatório do portal de Idealista, chegaram, em Novembro, aos 3 424 euros por metro quadrado no Porto; 2 801 em Matosinhos; 2 291 em Vila Nova de Gaia; 2056 na Póvoa de Varzim; e 1 885 na Maia.

Trata-se de uma espiral que endivida cada vez mais as famílias, que enfrentam crescentes encargos com a aquisição de casa.

De acordo com o INE, em Outubro, a taxa de juro implícita no conjunto dos contratos de crédito à habitação foi de 4,433%, traduzindo uma subida de 16,3 pontos base face a Setembro (4,270%).

A prestação média aos bancos fixou-se em 392 euros, mais 113 euros do que em Outubro do ano passado. Nos contratos celebrados nos últimos três meses, o valor médio da prestação subiu para 644 euros em Outubro, num aumento de 31,7% em relação a Setembro.

Ainda em Outubro, a parcela relativa a juros representou 60% do total da prestação, o que compara com 25% no mês homólogo do ano passado.

Também o esforço das famílias com o aluguer de casa é cada vez mais penoso, especialmente nos municípios do Grande Porto.

Segundo o portal Idealista, os preços das casas em arrendamento atingiram o máximo histórico em Novembro, com 16,6 euros por metro quadrado no Porto, que registou um aumento de 23,6% num ano; 14 euros em Matosinhos (+ 27,3%); e 9,9 euros na Maia (+ 34,6%).

 

É imperioso não só promover mais habitação pública, mas também forçar a banca a adoptar condições mais favoráveis, travar a subida dos valores das rendas e apoiar a redinamização das cooperativas de habitação e recuperar outras formas de resposta colectiva.

Entre 1987 e 2011, o Estado entregou aos bancos, a título de bonificação de juros sobre crédito à habitação, mas na verdade como alavanca para o ressurgimento, implantação e consolidação da banca privada, mais de sete mil milhões de euros.

Já agora, no próximo ano, também para bonificação de juros, entregará 253 milhões à banca. Porventura são necessários, mas seria preferível controlar os custos, travar o acréscimo de encargos e financiar, isso sim, soluções justas.

Sucessivos governos do PSD e do PS engordaram a banca subtraindo o financiamento às cooperativas de habitação, forçadas a condições de crédito incomportáveis, a tal ponto que a promoção de habitação cooperativa deixou de constar das estatísticas da construção desde 2012, quando foram concluídos apenas 84 fogos por este sector.

Segundo a informação disponível no sítio da Federação Nacional das Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE), os últimos empreendimentos de filiados suas foram concluídos em 2021 (um em Lisboa) e em 2020 (um em Grândola).

No Grande Porto, os últimos empreendimentos cooperativos datam de 2004 na Maia, de 2006 no Porto e de 2007 em Matosinhos, com apenas um em cada município.

Para além da dificuldade de acesso das cooperativas ao crédito imposto pela banca comercial e das limitações igualmente impostas pelo Banco de Portugal às organizações cooperativas e mutualistas, como as caixas de crédito agrícola e o Montepio, é difícil ao acesso a solo para construção a preços justo.

Trata-se de um problema que as autarquias e o Estado podem e devem resolver, constituindo bolsas de terrenos, que possuem em grande quantidade e com áreas importantes, para a promoção e construção cooperativa e outras formas de organização colectiva, incluindo as associações de moradores. 


Ver aqui a importantíssima intervenção de Paulo Raimundo. 

Mensagens populares deste blogue

Jornalismo: 43 anos e depois

O serviço público de televisão e a destruição da barragem de Kakhovka: mais rigor, s.f.f.

O caso Rubiales/Jenni Hermoso: Era simples, não é?