A cada um a sua Páscoa
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Photo by Anadolu Agency photojournalist Mustafa Hassona |
Certa vez, despedindo-me de um
vereador de uma importante câmara municipal, a quem telefonara para recolher
informações e declarações, como fosse, creio, quinta-feira de Semana Santa, o
autarca, conhecendo as minhas convicções ideológicas, atalhou: “Suponho que para si não tenha importância, mas desejo-lhe uma
boa Páscoa”. Como sou educado, não comentei o despropósito, mas agradeci e
retribui.
Vem-me isto agora à memória, a
propósito de entradas que tenho lido no Facebook. “Para os centres e não crentes,
Boa Páscoa!”. É um exemplo, porque há variações, umas genuínas e sinceras,
outras com um cheiro um pouco rançoso de presunção de superioridade “espiritual”,
como que a demarcar fronteiras entre os que são, os que não são.
Independentemente dos significados
que cada um de nós atribui a este momento do calendário litúrgico, nomeadamente
católico, mas não só, talvez seja útil começar por ter em conta um elemento de
análise essencial: o fundo cultural e o acervo de património de que os europeus
são hoje herdeiros é definitiva e profundamente tributário da matriz judaico-cristã.
Tal como sucede com o quadro essencial de valores morais.
Para muitos, certamente a maioria
– de crentes, seguramente, mas também de não crentes, e ainda dos indiferentes –,
a efeméride que celebram está sem dúvida associada à narrativa da Paixão,
portanto associada ao sofrimento, ao sacrifício e, por fim, à redenção, isto é,
o ciclo centrado na figura de Jesus Cristo, segundo os quatro evangelistas
(Mateus, Marcos, Lucas e João), aliás fonte inesgotável de criação artística e
de espiritualidade.
Do ponto de vista simbólico,
tendo, porém, a considerar a Páscoa numa dimensão bem anterior, preferindo evocar
o próprio momento bíblico original cuja celebração os evangelistas escolheram
para situar a Paixão (recordemos: Jesus e os seus companheiros foram a Jerusalém
para celebrar a Páscoa).
Refiro-me à fuga dos hebreus do
Egipto, momento épico e heróico colectivo que põe fim a quatro séculos de servidão
e escravidão, segundo a narrativa bíblica (Livro do Êxodo), não só pela exaltante
gesta libertadora que representa, mas pela profunda actualidade que nele
encontro há muitos anos.
Ocorre-me falar disso também a
propósito das dramáticas contradições históricas e de a circunstância de Israel
manter, há quase 75 anos, sob inaceitável submissão e agressão o povo
palestiniano e de o seu Governo teimar numa política de ocupação e violência –
e de expansão dos colonatos – a que urge pôr termo.
Custa-me crer que não tenha aprendido
nada, nem com o Êxodo, nem com a segregação, nem com as perseguições, nem com
as mortes de milhões de judeus ao longo da História.