“Expresso”, liberdade para manipular

O slogan promocional que encima, à esquerda, o saco-contentor do semanário Expresso e é o mote do formato televisivo da mesma campanha que o Grupo Impresa – “Expresso Liberdade para pensar.” – dá muito que pensar, sobretudo quando olhamos o rol de chamadas de primeira página.

Na edição de hoje, a manchete volta à carga com a narrativa do “afundamento” eleitoral do Partido Comunista Português (PCP) e com a teoria do castigo infligido pelo eleitorado da CDU, por um lado, ao mesmo tempo que alimenta uma pretensa relação entre estes dois presumíveis “factos” e a subida do Chega!.


“Crise política favorece Chega e prejudica PCP”, titula o jornal, apresentando os resultados de uma sondagem Expresso-SIC como fotografia do “impacto instantâneo da crise política” aparentemente espoletada pelo voto do PCP contra a proposta de Lei do Orçamento do Estado.

Na página 12, o título insiste na mesma tese do castigo à coligação unitária e do alegado benefício que dele extrairá a extrema-direita: “PCP caiu, Chega subiu com o chumbo do Orçamento”. Teoria aliás retomada no lançamento do programa “Expresso da Meia Noite”, na SIC: (…) arejeição do Orçamento fez cair a CDU e reforçou o Chega”.

De facto, o texto não dedica um único parágrafo, uma linha, uma única linha que seja à evidente confirmação da reconfiguração eleitoral do campo da direita, com a migração de votos do PSD e do CDS para o Chega!


Embora reconheça incertezas no estudo (“O exercício, ainda assim, merece cautelas”, ressalva), o Expresso garante que “ainda assim, a fotografia da linha de partida” para as eleições legislativas “é relevante: o PS vai com 40%, o PSD com 26% (desde abrl de 2021, a distância para os socialistas ampliou-se de 8 para 14 pontos percentuais). Isto enquanto o Chega sobe para o terceiro lugar com 10%, o PCP perde um ponto para 6, o BE fica com 5 (eram 9 em abril). Já o CDS está com 1%, abaixo do PAN e do IL (2%)”.

A infografia relativa às intenções de voto confirma as transcrições acima: dos partidos de esquerda que votaram contra o Orçamento, o BE perde quatro pontos percentuais e o PCP apenas um; e o PSD perde três pontos.

(Infografia publicada por Ivo Rafael no Facebook, que ainda não consegui localizar)

Traduzido em eleitos para a Assembleia da República, como bem sinaliza Ivo Rafael na sua conta no Facebook, “o PSD perderia 9 deputados, o Bloco perderia 12 (e ficaria reduzido a menos de metade!), o PAN perdia 3, o CDS desapareceria da AR, o LIVRE também desapareceria e a CDU perderia 2 deputados!”

Por outras palavras: dos partidos que descem, o PCP é o que – está bem à vista – desce menos nas intenções de voto e é o menos prejudicado, ao contrário do BE, do PSD e do PAN.

Alguém é capaz de explicar por que razões o Expresso escolhe o PCP como “a” vítima das quedas? Ou por que não titulou que o PSD se afasta cada vez mais do PS? Ou que o BE é fortemente penalizado? Ou que PSD e CDS abastecem o Chega!?

Mensagens populares deste blogue

Jornalismo: 43 anos e depois

O serviço público de televisão e a destruição da barragem de Kakhovka: mais rigor, s.f.f.

O caso Rubiales/Jenni Hermoso: Era simples, não é?