A variante ómicron e a face do capitalismo

Foto: WHO/Blink Media - Hannah Reys Morales

A Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou para o elevado risco de propagação global da variante ómicron do coronavírus SARS-CoV-2, responsável pela pandemia de covid-19, pedindo aos países que estejam preparados para as consequências, embora reconheça as “incertezas consideráveis” quanto ao grau de transmissibilidade da nova estirpe.

Por muito que a OMS e muitos peritos se esforcem em pedir tranquilidade às populações – é necessário evitar o alarmismo – e em procurar mobilizar a atenção e os esforços das autoridades sanitárias, é evidente que a catadupa de notícias sobre a elevada mutação da nova variante e o “alastramento” de casos pelo Mundo gera justificada preocupação.

A própria OMS admite que futuras novas vagas de covid-19 poderão ter consequências graves, ao mesmo tempo que assegura que, “apesar das incertezas, é razoável supor que as vacinas disponíveis oferecem certa protecção contra a doença grave e a morte”.

Por outras palavras, é necessário prosseguir os esforços com vista à cobertura vacinal da população global, justamente porque a pandemia tem uma expressão global e a propagação da nova variante – e de outras que se lhe seguirão… – adquirirá inevitavelmente uma magnitude planetária.

 

Problemas de fundo

A situação epidemiológica em geral, nomeadamente na Europa – que voltara a ser preocupante antes mesmo do surgimento da nova variante – e as novas preocupações com as incertezas em torno da estirpe em causa colocam bem em evidência um conjunto de problemas de fundo que bloqueiam qualquer actuação global e solidária.

À cabeça, a dificuldade em lidar com o problema de forma concertada e solidária, como demonstra a imediata decisão egoísta e perigosa de inúmeros países – com os membros da União Europeia à frente – de suspender as ligações aéreas com a África do Sul e outros países da África Austral.

É verdade que foi na África do Sul que, graças à sua capacidade de proceder rapidamente à sequenciação do genoma do vírus e à sua lisura e lealdade para com a comunidade internacional, foi possível detetar a variante ómicron e divulgar de imediato os resultados. Mas não significa que lá tenha “nascido” – nem isso é necessariamente relevante.

Como têm salientado vários cientistas e a OMS, o “castigo” imposto à África do Sul com o barramento das viagens, para além de prejuízos muito sérios para a sua economia (uma crise económica somada a uma crise sanitária é uma mistura perigosa!), pode ter como consequência que este e outros países fechem, por sua vez, no segredo a eventual descoberta de novas estirpes, dificultando o seu estudo atempado.

 

Levantar as patentes, já!

A nova situação sublinha, por outro lado, a recorrente questão do egoísmo dos países ricos, ao avançar a toda a força para o reforço da vacinação (terceira dose) das suas populações, quando uma grande parte da humanidade continua muitolonge de estar coberta com a primeira inoculação, quanto mais com o esquemavacinal completo. Não é por acaso que a nova variante foi detetada na região da África Austral, precisamente a mais desprotegida.

O agravamento da situação pandémica e as incógnitas acerca da sua evolução acentuam ainda mais a exigência ética que a OMS, cientistas e organizações de profissionais da Saúde mantêm desde há largo tempo na ordem do dia e à qual as companhias farmacêuticas, os países e a União Europeia opõem escandalosa e desumana resistência: o levantamento, ou pelo menos a suspensão temporária, das patentes das vacinas.

Essa é a condição vital para conseguir a vacinação em massa de todos os povos e travar a propagação e a letalidade do vírus. Não há “ofertas” de uns míseros milhões de doses, tão ao gosto do assistencialismo dos ricos, que resolvam um problema imediato com a magnitude desta pandemia; assim como não há desculpa para que as patentes não sejam levantadas, quando a investigação e a produção das vacinas foram fortemente financiadas por fundos públicos.

Vistas bem as coisas, o comportamento da indústria e dos governos põem bem a nu a verdadeira face do capitalismo.

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