O equívoco do “cerco dos comunistas ao Palácio de Cristal”
A
propósito da morte de Pedro Baptista, nesta quinta-feira, lê-se em pelo menos dois
sítios a seguinte afirmação: “Cumpriram-se em
janeiro os 45 anos do cerco dos comunistas ao Palácio de Cristal, onde decorria
o I Congresso do CDS. Pedro Baptista e a OCMLP estiveram lá”.
Escrever, ainda que
em referências muito breves, sobre acontecimentos que se não domina, seja por
falta de leitura e estudo, seja porque se não viveu os factos ou se não é
contemporâneo deles, implica por vezes grandes riscos. Sobretudo quando certas
palavras permitem identificações precipitadas de protagonistas.
Se o autor da
notícia e/ou quem a editou tivesse lido um conjunto de obras que esclarecem de
forma detalhada quem convocou, quem participou e especialmente quem não alinhou
no “cerco dos comunistas”, saberia que não poderia meter tudo no mesmo saco.
Em “O 25 de Novembro
a Norte – O processo revolucionário no ano de 1975” (Porto, AJHLP, 2015, pág.
30), Jorge Sarabando enuncia com clareza quem convocou as concentrações que,
embora vindo a convergir numa, tiveram signatários diferentes.
Um grupo de forças,
que reclamava “unidade na acção contra a reacção!” e produziu um panfleto de
apelo à concentração era constituído pela Juventude Socialista (JS), pela Liga
Comunista Internacionalista (LCI), Liga de União e Acção Revolucionária (LUAR),
Movimento de Esquerda Socialista (MÊS) e Partido Revolucionário do Proletariado
– Brigadas Revolucionárias (PRP-BR).
Por sua vez, a
Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa (OCMLP), de que Pedro
Batista era dirigente, já tinha marcado uma concentração, enquanto o Movimento
Revolucionário do Proletariado Português (MRPP) e o Partido Comunista de
Portugal (Marxista-Leninista) (PC de P m-l) tinham apelado ao boicote do
congresso.
A confusão há-de vir
da profusão de designações “comunistas” nas várias formações de extrema-esquerda
referidas, mas não é legítimo concluir que foi um “cerco dos comunistas”, isto
é, englobando todos e, por isso, também o Partido Comunista Português (PCP), de
longe o mais antigo e o mais representativo.
De facto, o PCP não
só não participou, como “condenou severamente o boicote”, escreve Sarabando,
recordando que, além de um comunicado da então Direcção Regonal do Norte
(DORN), o secretário-geral, Álvaro Cunhal, “afirmou, em cima do acontecimento,
que ‘tinha a marca política da provocação’”.
É certo que Freitas
do Amaral (fundador e primeiro líder do CDS) “dirá que quem orquestrou tudo
foram os comunistas” sempre “que se compôs a memória desses acontecimentos”,
recorda Miguel Carvalho, num outro livro indispensável à compreensão dos
acontecimentos e êxito de livraria – “Quando Portugal Ardeu (Lisboa, Oficina do
Livro, 2017, pág. 100).
Mas a imputação é
errada, como sustentou o próprio Pedro Batista, citado na obra: “Qual PCP no
Palácio de Cristal! Não é justo atirar-lhes com essa culpa, porque não a têm!
Sobretudo ainda é mais injusto atirar-lhes com esse mérito de que não têm
nenhum, antes pelo contrário!”.
Alguns dirão que é
um detalhe irrelevante. Não me parece. É um erro com peso, sobretudo porque
contribui para alimentar uma narrativa que distorce acontecimentos e tende a
perpetuar-se, de tantas vezes que é replicada.
Nota: a foto com a reprodução de jornais da época foi retirada, com a devida vénia, da evocação feita em 2015 pelo jornal "Observador"