Isabel Camarinha, trabalhadora e sindicalista

Isabel Camarinha no encerramento do XIV Congresso da CGTP (foto: sítio CGTP) 


A escolha da nova secretária-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN), Isabel Camarinha, despertou nos media um interesse inusitado pela origem da dirigente, com alguns autores a questionarem, mais ou menos abertamente, de forma mais ou menos capciosa, a legitimidade da eleição.

Uma primeira acusação – muito injusta e incompreensível – sustenta que Isabel Camarinha nunca trabalhou numa empresa, privada ou pública, ou sequer num serviço ou organismo público, procurando reduzi-la à condição, que pelos vistos consideram menos adequada, de “funcionária sindical”, sem qualquer ligação ao mundo do trabalho.

Acrescentam que toda a vida uma foi uma funcionária do aparelho sindical, sem nunca ter tido um patrão no sentido clássico do termo – nem público nem privado – pelo que a sua ascensão ao lugar de topo da direcção da central quebra uma tradição sagrada mas não escrita segundo a qual os “quadros” não podem ser dirigentes.

Há aqui um equívoco ou, pior, uma mistificação muito perigosa e profundamente antidemocrática, que é necessário esclarecer, a menos que a elite editorial, que pelos vistos também pretende estabelecer os limites à intervenção dos trabalhadores, pretenda vedar aos empregados em sindicatos o direito a participar na vida dos sindicatos em que se filiam para que estes representem os seus interesses.

Primeiro facto: Isabel Camarinha é funcionária do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e Afins (STAL), a cujo quadro pertence com a categoria de técnica administrativa, ou seja, assalariada de um empregador que reveste a forma jurídica de sindicato, como revestir a de empresa.

Segundo facto: Como trabalhadora por conta de outrem, Isabel Camarinha tem todo o direito a (i) inscrever-se no sindicato da sua preferência e (ii), gozando de capacidade eleitoral activa e passiva, como os demais associados do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP), na sua actual denominação, ser eleita para os respectivos órgãos.

Terceiro facto: No uso desse direito, Isabel Camarinha foi eleita para sucessivas direcções pelos associados do seu sindicato – o CESP – que trabalham no STAL, que trabalham noutros sindicatos e que trabalham sobretudo em inúmeras empresas de múltiplos sectores, assim como veio a ser eleita presidente da direcção, em 2016.

Quarto facto: Na sequência dessa eleição, veio a tornar-se também, nesse ano, coordenadora da Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços, qualidade que a colocou, por inerência, nas funções de membro da Comissão Executiva da CGTP – como dirigente, não como “quadro” ou funcionária sindical.

Assim, além da experiência pessoal como trabalhadora num empregador específico, Isabel Camarinha acumulou uma larga experiência de contacto com as realidades diversas do largo espectro de empregadores de empregados de escritório como ela, espectro esse que vai de sindicatos-patrões como o seu ao armazém de retrosaria, passando pelas grandes superfícies ou pelo gabinete de contabilidade.  

Lê-se algures que Isabel Camarinha tão-pouco era conhecida e que em certas redacções não só não sabiam quem é como nem sequer possuíam fotografias de arquivo para ilustrar a notícia do anúncio da escolha para a candidatura ao lugar.

Se as redacções andassem mais atentas à actividade do movimento sindical em geral e do CESP em particular, o nome não lhes seria estranho e não lhes faltariam fotografias da dirigente em trabalho sindical…

Como bem anota o “Diário de Notícias (12/02), currículo não falta a Isabel Camarinha, “tendo-se destacado, ao longo dos últimos anos, na defesa de melhores condições salariais e de trabalho nas grandes superfícies, uma área que tem crescido crescentes protestos salariais. A criação de um contrato colectivo de trabalho e o encerramento do comércio aos domingos e feriados são duas das suas batalhas”.


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