Amarrados ao futuro das pessoas objecto de notícia
Na sessão de abertura do seminário "A Cultura da Infância numa Sociedade Democrática. Contributos e responsabilidades. A mais-valia da informação-comunicação", esta manhã, em Ponta Delgada, disse o seguinte:
Já vai longa a jornada constituída por este ciclo de seminários, iniciada no Porto em 2007, simbolicamente no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o que para nós reveste uma importância extraordinária, pois a liberdade convoca sempre a responsabilidade dos jornalistas. Depois, passamos por Lisboa, pelo Funchal e novamente pelo Porto.Até onde iremos?Há, seguramente que ir mais longe e cobrir mais regiões. Mas há que reflectir sobre os resultados e talvez realizar uma grande iniciativa nacional - não de síntese ou de ponto final, mas de avaliação e de recomeço, de avanço para nova etapa.
Este ciclo de seminários constitui uma gratificante jornada de diálogo inter-profissional e um exemplo único de - pela longevidade da experiência desse diálogo, mas sobretudo:
pela diversidade das formações e origens dos intervenientes que proporciona uma multiplicidade de pontos de vista;
pela pluralidade de profissões e missões dos participantes que se cruzam e interceptam;
pela riqueza das suas experiências e das suas mundividências que nos enriquecem;
pela complexidade das competências e até pelas angústias do seu exercício, o que permite cruzar olhares sobre tantas inquietações e perplexidades (E a inquietação e a perplexidade são fonte e impulso de novos avanços e novos progressos);
pelo conhecimento/identificação dos papéis, gramáticas e práticas profissionais e pela tensão dialéctica entre campos que não são opostos, apesar de episódios, cada vez menos frequentes, de incompreensão e até de desconfiança.
Não podemos esquecer que temos muitas vezes um objecto e um objectivo comum - a criança ou o jovem e a defesa e promoção dos seus direitos, com a especial responsabilidade dos jornalistas de não tratarem a criança e o jovem como uma abstracção transitoriamente transformada em matéria em matéria-prima útil à engrenagem das audiências.
Na verdade, o caso interessante do dia pode não passar de um episódio interesseiro, de uma atenção mercantil, de valor-notícia apenas mensurável em audiências imediatas, sobretudo quando desinserido de abordagens contextualizadas que permitam explicar e problematizar as causas profundas dos problemas e problematizar as políticas que as sustentam.
Assim, há que resistir às simplificações e às leituras superficiais e generalizantes tantas vezes feitas apenas a partir desta ou daquela singularidade. Há que ir mais longe na leitura dos factos, das suas circunstâncias e dos seus contextos;há que procurar sem cessar o aprofundamento e a compreensão dos problemas, nas suas causas mais remotas e nos seus efeitos tantas vezes menos expectáveis à primeira vista;há que reconhecer nos actores dos dramas que tratamos, nos seus mais diversos papéis e funções, pessoas que são muito mais do que matéria-prima para notícia;há que reconhecer e valorizar a riqueza e a importância dos técnicos e especialistas que contactamos ou podemos contactar, tratando-os não como instrumentos legitimadores de preconceitos e certezas que já levávamos na bagagem da inquirição, não como figurantes obrigatórios num ritual e numa metodologia formalizante da audição das partes com interesses atendíveis, mas sim como profissionais disponíveis para partilharem connosco tanto os seus conhecimentos e experiências, como as suas inquietações, sem que isso possa representar uma intervenção tutelar ameaçadora da autonomia dos jornalistas.
É necessário, porém, que nos consciencializemos mais de que os jornalistas não têm a palavra final nem são os únicos com poder e capacidade de intervir no espaço público (e porventura têm cada vez menos...).
É necessário ter presente a amplitude e a eficácia dos dispositivos de escrutínio dos seus actos, de identificação dos seus preconceitos, do forçamento - consciente ou inconsciente - dos limites dos seus direitos e mesmo das variações casuísticas da geometria dos seus deveres.
É necessário sobretudo ter consciência de que todos os nossos actos geram resultados e produzem consequências nas vidas das pessoas que são circunstancialmente objecto de notícia e matéria de exposição mediática mais ou menos intensa.
Ao contrário do que por vezes parecemos acreditar, a verdade inconveniente é que os rostos, os nomes, as identidades concretas das pessoas que são notícia hoje têm um futuro. E, mais tarde ou mais cedo, por sua vontade ou por um acaso, ou até por acção de terceiros, esse futuro há-de interpelar o passado. E nós fazemos inapelavelmente parte desse passado e estamos comprometidos com esse futuro.
Por isto, revestem uma importância muito grande - até decisiva - para que continuemos a aprender a interpelar as nossas práticas e as nossas consciências e a aprofundar o diálogo com os outros.
Disse
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