Um "garganta funda" chamada WikiLeaks

Salvo melhor opinião, o WikiLeaks não é um sítio informativo nem faz jornalismo.
Como bem o designou Jorge Almeida Fernandes (Público, 24/10/10), é uma máquina de colecta de informações baseada em informadores decididos a denunciar escândalos ou injustiças.
Essa acertada designação marca bem as diferença entre um mero estendal electrónico de documentos e o jornalismo, que deve verificar a autenticidade dos documentos, avaliar a sua importância - relativa e contextual - cotejá-los com outras fontes, etc.
Feitas as contas, o WikiLeaks é um verdadeiro "garganta funda" à disposição do sistema mediático planetário, disponibilizando informações que coligiu mas que não tratou jornalisticamente (enfim, tanto quanto pude perceber até agora).
Note-se uma particularidade muito interessante, justamente numa altura em que se discute, até com mais intensidade por causa deste "caso", o problema de saber se sítios como este vão substituir os órgãos de informação (independentemente do suporte) e se outros Julius Assanges vão destronar definitivamente os jornalistas: a divulgação dos cerca de 400 mil documentos no WikiLeaks foi precedida da prévia disponibilização de uns quantos ficheiros a um conjunto muito importante de jornais de referência de prestígio mundial.
Esse elemento é muito importante. E a sua importância não se resumiu à obtenção de publicidade - de atenção - prévia à divulgação dos documentos; nem se circunscreveu à relação de um "garganta funda" (um informador) global com vários jornais para fazer passar informações explosivas. Fundamentalmente, constituiu um processo de credibilização do próprio sítio, alavancada e garantida pela credibilidade e prestígio dos jornais que acolheram as suas informações, ao mesmo tempo que via garantida a reacção oficial de vários governos ao seu conteúdo.
Há quem veja nestes processos um novo fôlego para o jornalismo, quer porque muitos jornalistas podem sentir-se estimulados com a competição de "amadores" mais capazes do que eles de obterem e divulgarem documentos comprometedores para os poderes, quer porque há quem veja neste tipo de sítios "aliados" do jornalismo, porque dispostos a partilhar com os jornalistas o resultado das suas recolhas ou porque se transformem em nascentes de onde jorram mananciais de dados e de informações prontos a replicar.
Modestamente, encaro como mais um problema para o jornalismo e receio que, mais tarde ou mais cedo, se multipliquem sítios na Rede de denúncia de dados, documentos, "factos" e "histórias" cuja autenticidade não sejamos capazes de verificar pelo menos em tempo útil e postos a circular em circuitos armadilhados ao serviço de interesses obscuros, pequenas e médias conspirações ou inconfessável mesquinhez. Oxalá me engane...
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