Presente e memórias

 

Este hotel que, hoje e amanhã, serve de base às Jornadas Parlamentares do PCP no distrito de Leiria, está ligado à minha memória profissional e às memórias da resistência ao fascismo e também à vida de um dos escritores e poetas que mais admiro.

Há 38 anos, entre o final de 1987 e o início de 1988, serviu-me de base para a cobertura do julgamento, no Tribunal de Leiria, do julgamento do então conhecido crime da Praia do Osso da Baleia.

Essa missão deixou-me marcas importantes, não só porque foi o último grande trabalho ao serviço do jornal “O Primeiro de Janeiro” (em 7 de Março passei a integrar a Redacção do “Jornal de Notícias”), mas também por ter sido o primeiro julgamento muitíssimo mediatizado.

Ainda não havia televisões privadas…, mas era o tempo do advento imparável das rádios locais pré-legais, espevitando uma enorme ousadia e uma competição acirrada entre órgãos de informação, forçando limites até ali pouco ou nada tentados.

Por seu lado, o arguido (Vítor Jorge) assumiu um papel inédito no processo comunicacional: todas as manhãs, antes do início da sessão de julgamento, fazia “briefings” impressionantes com os jornalistas, em plena sala de audiências, com uma apreciação sintética da sessão da véspera e uma espécie de antevisão da que lhe sucederia.

Essa experiência não foi positiva e, embora não fizesse tribunais (i.e. a cobertura jornalística regular de julgamentos), recordo-me de que nunca simpatizei com a prática, instaurada anos depois, de se passar a ouvir advogados, testemunhas e outras personagens fora da audiência, pois a forma mais imparcial de os noticiar deveria circunscrever-se ao relato da sessão, o momento em que a igualdade de armas me parecia mais garantida.

Mas o hotel Eurosol convoca também duas memórias – uma literária; outra política.

A primeira, assinalada desde 2010 com uma placa evocativa, remete para o facto de o escritor e poeta Miguel Torga ter vivido, entre 1940 e 1941, numa casa que já não existe e que se localizava num parque de estacionamento de apoio ao hotel. Descobri-o hoje, com surpresa e agrado.

A segunda, assinalada com uma placa no interior do hotel, desde setembro passado, relaciona-se com a realização, nesta mesma unidade, em 21 de Setembro de 1969, do IV Encontro Nacional da Oposição Democrática – um “momento de esperança”, como bem salientou o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, na abertura das Jornadas Parlamentares.

É assim a vida – de pequenos encontros com a memória se constrói.

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