Riscos dos artifícios de ilusão da actualidade em televisão

Quem tivesse visto pela primeira vez, no Jornal da Tarde de hoje, a reportagem dos enviados especiais a Israel em Jenin, na Cisjordânia, cuja carrinha foi alvo de disparos das tropas israelitas de ocupação, teria ficado com a convicção de que acabara de acontecer.

A ideia é reforçada não só com a completa ausência de referências, da pivô e nas imagens transmitidas hoje, ao facto de o incidentejá ter sido relatado ontem, mas também pelo tom do “oráculo” (espécie de título em rodapé na emissão) inserido durante a transmissão do directo dos enviados da operadora pública de televisão.

Os responsáveis da RTP sabem – e têm a estrita obrigação de saber! – que as imagens, incluindo as referências gráficas (oráculos incluídos), produzem nos espectadores efeitos decisivos ao nível da apreensão e da compreensão das mensagens.

Como sabem que as noções de actualidade se prendem muitas vezes com a ideia de algo que, se não está a acontecer no momento em que é transmitido, acabou de acontecer, está muito próximo daquele instante.

Por isso, devem ter consciência de que difundir imagens e/ou reportagens que já foram transmitidas muitas horas antes e de que inserir oráculos como se o incidente tivesse acabado de acontecer induz percepções erradas de tempo.

Bem sei que, em jornalismo, o uso do presente histórico designadamente nos títulos, de uso tradicional e assumido aliás nos jornais diários, se destina precisamente a gerar a ilusão de proximidade temporal do acontecimento, pois quando saem à luz do dia já muitas horas (às vezes mais de um dia) se passaram, mas o “lead” (o primeiro parágrafo da notícia) deve situá-lo no tempo.

Por exemplo, neste caso, titular-se-ia, num diário, “Tropas israelitas alvejam carro da RTP em Jenin”, mas o “lead” teria forçosamente de dar logo nota de que aconteceu ontem. Ou seja, no título, que tem de ser muito curto e apelativo, poderá permitir-se esse truque, mas na exposição e desenvolvimento do assunto é imperdoável a omissão ao “quando”, ao "ontem".   

Calculo que, em televisão, seja muito grande a tentação de levar aos extremos o recurso ao presente histórico, mas suponho que não é descabido reflectir sobre o facto de práticas como esta gerarem entre os espectadores ideias e convicções de actualidade insuficientemente promotoras das realidades – a do momento e a pretérita. Entre isto e o tabloidismo, vai um passo curto…

Já agora: seria muito útil – e mais rigoroso – que as televisões e mesmo os jornais passassem a inserir sempre nas imagens e fotos as referências à data-hora-local da respectiva recolha.

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