Repórter-patrulheiro à covid-19

 


As televisões, incluindo a RTP-Serviço Público de Televisão, criaram uma nova categoria especializada no jornalismo – a de repórter-patrulheiro à covid-19.

Ei-los a patrulhar as ruas das cidades mal batem as 13 ou as 23 horas do recolher obrigatório, à cata de um cidadão mais recalcitrante, avesso às normas e ameaçando mesmo a segurança nacional.

Ei-los a acompanhar as polícias, de microfone em riste e câmaras apontadas às papeladas justificativas deslocações a horas ilícitas.

Ei-los neste sábado, mal passada da barreira sanitária das 13 horas, a “acompanhar” a fiscalização policial do regresso dos automobilistas a casa, uns de trabalhar, outros de fazer compras ou de tratar assuntos das suas vidas.

Ei-los a velar, com zelo extremo, pelo cumprimento da lei e a admoestar os retardatários, como vi e ouvi a uma repórter-patrulheira interpelar com severidade um senhor condutor, perguntando-lhe se “não devia ter tomado horas para estar em casa às 13”, por mais que ele lhe explicasse, com a paciência visivelmente a esgotar-se, que estivera "a acabar um trabalho" e que, sim, até poderia ter chegado a tempo se lho não tomassem naquela operação infindável…

Só para perceber: se os estabelecimentos encerraram às 13 horas, como queria a repórter que, às 13:05, já estivessem todos em casa?


Importante: a culpa não é necessariamente dos jornalistas lançados a tão ingrata quanto inútil tarefa (tem tão pouco de "reportagem"!); está nas direcções, chefias e editores que não puxam pelas cabeças para assegurar uma "cobertura" mais criativa e rigorosa. Fazer directos destes terá algum interesse uma vez, quando são novidade. Repetir o modelo, e ainda por cima com disparates destes, é péssima ideia.


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