O XXI Congresso do PCP no cardápio da instrumentalização dos media
As últimas semanas, os últimos
dias e as últimas horas comprovam que a pandemia de covid-19 se confirma como
um apetecível pretexto para atacar a realização do XXI Congresso do Partido
Comunista Português, e, com ela, o próprio PCP, tal como sucedera com a Festa
do Avante!
Parece ser normal no território
do combate político e ideológico: desde sempre este partido e o que o seu projecto
e as suas propostas representam estão na mira da direita.
Mas já não parece normal nem
aceitável que os media e que o campo
jornalístico em especial convirjam na estratégia desse ataque, tanto no
argumentário como nas estratégias narrativas, sobretudo naquelas que procuram
sustentar a tese segundo a qual, embora juridicamente legítima e organizada
segundo irrepreensíveis práticas de segurança, a reunião magna não deveria
realizar-se por uma questão de
(i)
exemplo para os cidadãos sujeitos a severas
restrições aos seus movimentos e
(ii)
demonstração de que o PCP não se sente acima
dos cidadãos.
Essa tese não inspira apenas a
torrente de comentários e “análises” da elite editorial, ou dos editocratas,
pois contamina especialmente a prática noticiosa que, por definição e em obediência
às leges artis do Jornalismo, deve
ser o mais exacta, rigorosa e imparcial possível (há quem diga “objectiva”).
A já conhecida expressão “percepção dos cidadãos” acerca da
realização do Congresso, isto é, aquilo que certos actores políticos e editocratas
crêem (ou dizer crer…) que o vulgo pensa, é um exemplo (mais um) de apropriação,
pelo campo jornalístico, de conceitos, concepções e frases-de-feito geradas no
campo político e que levam, senão à manipulação consciente, pelo menos a instrumentalização
involuntária induzida.
A associação deliberada (no campo
político) da severa crise sanitária que o país vive (com o seu cortejo de
infecções e sofrimento, elementos de forte impacto emocional) à suposta transgressão moral do PCP (ainda no
campo político, o argumento: a lei não permite a proibição do congresso, mas o
Governo deveria tê-lo impedido e o partido deveria ter-se abstido de o realizar)
mais não visa do que infundir a ideia de ilegitimidade.
E essa ilegitimidade é ainda mais
grave e inadmissível (insista-se: ainda no campo político) quando colocada em
confronto com o sacrifício imposto a tantos e tantos comerciantes e industriais
de restauração que, precisamente por estes dias, vêem os horários dos seus
estabelecimentos fortemente limitados e a milhões de cidadãos cujos movimentos estão
fortemente restringidos.
Ora, transportada acriticamente para
as práticas jornalísticas, essa narrativa, essa retórica política compromete perigosamente
a imparcialidade dos profissionais e dos órgãos de informação.
Na edição do “Jornal da Tarde” de hoje,
na RTP, ocorreu um episódio que merece ser escalpelizado – desde o seu
enquadramento no alinhamento ao conteúdo da “reportagem” – a título de exemplo.
Após uma sequência de peças sobre
as medidas de prevenção contra a covid-19, especialmente o dever de
confinamento e a proibição de circular entre concelhos em todo o país, a pivô
introduz a “inevitável” colagem ao congresso do PCP:
“O concelho de
Loures está no centro das atenções neste fim-de-semana. É um município com
risco muito elevado de transmissão de covid-19, mas é lá também que está a
decorrer o congresso do PCP”.
Após esta introdução de efeito
dramático, passa à repórter, postada à porta de um restaurante com o respectivo
proprietário, e dispara a pergunta:
“Os
comerciantes aceitam que o congresso continue quando eles já tiveram de fechar
as portas à uma da tarde?”
Do local, a repórter responde,
antes de dar a palavra ao convidado:
“Nós estivemos
toda a manhã com comerciantes e proprietários de restaurantes de bares e a
verdade é que não encontramos nenhum que entenda que o congresso do PCP se
realize precisamente neste fim-de-semana”.
Não se duvidando de que a
repórter esteve realmente com tais pessoas (já agora, quantas?), embora nos
mostre apenas o testemunho de uma delas, sempre resta a dúvida sobre se não
haverá em Loures mesmo nenhum dono de restaurante que, enfim, já não digo que
seja militante do PCP, mas que aceite a realização do congresso…
É interessante verificar que, no
contexto desta ofensiva contra o Congresso recorrendo, como contraponto, ao
gravíssimo drama da restauração, os media
não se tenham dado ao cuidado de verificar quais têm sido as posições e
iniciativas do PCP relativamente ao sector e à necessidade de medidas para evitar o seu colapso,
incluindo muito especialmente sobre as restrições aos horários.
Mas esse trabalho de verificação –
exigível num jornalismo credível – já seria uma maçada. E seguramente
esvaziaria o impacto das habilidades
jornalísticas.