A caminho do fim da Espanha artificialmente consensualizada

O debate da investidura parlamentar de Pedro Sánchez, que decorreu ontem e hoje no Congresso dos Deputados, confirmou que Espanha vai a caminho de uma inédita direcção histórica na sua vida política e institucional, muito complexa, difícil e pejada de riscos e até de armadilhas.



Não se trata apenas da viabilização de um governo de coligação e do Executivo mais à esquerda desde 1936 (veremos se será realmente progressista), se, como se espera, na terça-feira, o número de votos a favor em segunda votação superar os votos contrários, mesmo que se repita o resultado de hoje (166 "sim", 165 "não" e 18 abstenções), em primeira.

Pedro Sánchez não teve outro remédio senão outorgar um acordo de governo de coligação com a aliança Unidas Podemos e acordos com outras forças à esquerda, incluindo os independentistas republicanos catalães e os nacionalistas bascos e galegos, engolindo estes sapos todos, mais o conteúdo dos acordos e tudo quanto de mal disse dos parceiros.

No debate, não disfarçou que a sua preferência teria recaído sem hesitações no regaço do campo que ele próprio definiu como indispensável - o centro-direita, corporizado no Cidadãos e no Partido Popular -, aliança que aliás procurou afincadamente, tendo-se rendido à inevitável coligação à esquerda (que se deseja venha a ser realmente progressista) face ao "cordão sanitário" levantado pelo Cs e pelo PP aliados com o ultradireitista Vox, como ele próprio se queixou.

O conteúdo dos acordos (ou a sua simples celebração...) concitaram os ódios dos campos conservador, reaccionário e neofascista, com expressões bem sintomáticas ao longo das intervenções do PP, do Cs e do Vox, brandindo o ódio aos comunistas e aos independentistas e agitando o fantasma da fractura e até da fragmentação de Espanha.

As mudanças económicas, sociais e políticas, também institucionais e até constitucionais no que se refere ao "relacionamento territorial do Estado" com as autonomias, isto é, com os diversos países históricos que compõem Espanha, serão realmente um desafio fracturante e confrontarão o "constitucionalista" Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) com as suas próprias contradições. Mas é evidente que a Espanha artificialmente consensualizada pela "transição democrática" de 1975 é cada vez mais inviável.
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