A queda da Índia há 50 anos: o holocausto negado a Salazar

Primeiras páginas do JN de 18 de Dezembro de 1961, dando as primeiras notícias da consumação da invasão, e de 19 de Dezembro, com a mistificação propagandística de uma resistência suicida que felizmente não aconteceu 

Há 50 anos, na noite e na madrugada de 17 para 18 de Dezembro de 1961, tropas da União Indiana entraram nos territórios portugueses da Índia, numa colossal desproporção de forças militares que António de Oliveira Salazar reconhecera cinco anos antes (discurso de 30 de Novembro de 1954) ser imbatível e com uma legitimidade histórica que o ditador jamais reconheceria.
Foi o princípio do fim do Império Colonial e o início de uma nova era para os povos submetidos ao jugo colonial português havia mais de quatro séculos e meio. Salazar sabia que a concessão da independência às possessões de Goa, Damão e Diu, legitimamente reclamada pela União Indiana desde a retirada da Grã-Bretanha, em 15 de Agosto de 1947, seria um precedente para a libertação dos outros povos. Só não soube estar do lado justo da História. Ao não conceder a emancipação em paz, legitimou a emancipação pela força.
Quando já tudo estava obviamente perdido, Salazar deu ordens ao governador-geral do então chamado "Estado Português da Índia" e seu comandante-chefe, general Vassalo e Silva, para que os 4100 mal armados militares portugueses nesses territórios se entregassem em definitivo e inútil holocausto, perante um esmagador  e bem apetrechado exército de 75 mil homens da União Indiana.
Numa mensagem a Vassalo e Silva no dia 14, face à iminência da invasão, Salazar dá ordem para “organizar a defesa pela forma que melhor possa fazer realçar o valor dos portugueses segundo velha tradição na Índia". As palavras seguintes mostram com toda a brutalidade a crueza desse conceito de "realce" do valor dos portugueses: 
"É horrível pensar que isso pode significar o sacrifício total, mas recomendo e espero esse sacrifício como única forma de nos mantermos à altura das nossas tradições e prestarmos o maior serviço ao futuro da Nação. Não prevejo possibilidade de tréguas nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos."
O certo é que, como se esperava, o ataque foi avassalador e a tropa portuguesa foi recuando sempre até render-se a meio do dia 19, como sempre estivera previsto entre os oficiais, sargentos e praças, apesar da propaganda fascista. Morreram apenas entre 25 e 30 homens. 
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