Os media e as alterações climáticas

A convite do Grupo de Alunos de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho (GACCUM), participei, ontem à noite, na tertúlia inaugural de um ciclo que esta associação vai realizar este ano no Forum FNAC Café de Braga, dedicada à forma como os media trataram a Cimeira de Copenhaga.

Na minha "charla", tentei reflectir sobre três tópicos:
  • O carácter messiânico da conferência, tendo em conta as enormes expectativas sobre um acordo com compromissos e metas concretas para a redução dos gases com efeito atmosférico de estufa, as pressões e exigências de actores políticos, organizações não governamentais e opinião pública, e o dramatismo crescente dos respectivos discursos, com o registo por vezes quase apocalíptico dos cenários enunciados para justificar as decisões esperadas/exigidas.
  • A contaminação da agenda mediática por tais expectativas, pressões e exigências, levando os media a absorver o dramatismo crescente em torno da conferência e a incorporar o tema na sua "missão", valorizando o discurso dominante e o consenso amplamente estabelecido sobre os mecanismos e as consequências das alterações climáticas, com risco de poder estar subrepresentado o chamado cepticismo climático.
  • O aprofundamento de agendas alternativas, ou formas de contra-agenda mediática, traduzidas no recurso, por organizações e cidadãos, a sítios e blogues (nalguns casos criados especificamente para a ocasião), para a produção e distribuição de: i) informação alternativa à disponibilizada pelos meios de informação, nalguns casos conseguindo antecipar-se na divulgação de documentos em discussão; ii) informações e opiniões disponibilizadas directamente ao público à margem da agenda dos media e dispensando mesmo a mediação jornalística; iii) comentários e críticas à cobertura dos media - e à sua própria agenda - num exercício de escrutínio directo e não mediado do trabalho dos jornalistas e das empresas.   
Do conjunto muito interessante de perguntas do auditório, destaco três:
1.ª - Se os media falharam;
2.ª - Se é problema a existência de cépticos;
3.ª - Se as alterações climáticas são o problema mais importante.

Em síntese, eis o que respondi:
1.ª - Os media não falharam, mas... Ou seja: a) Cumpriram a sua missão, conseguindo ir muito além do mero relato da conferência, fornecendo aos cidadãos criações jornalísticas de informação e enquadramento sobre inúmeros temas directa ou indirectamente relacionados com as alterações climáticas; b) Mas não devem deixar de continuar a trabalhar o assunto, mantendo-o assim na sua própria agenda.
2.ª - A existência de cépticos não é um problema; é uma vantagem: inúmeros avanços do conhecimento e da Ciência só foram possíveis pelo inconformismo, pela interpelação às pretensas certezas "científicas" que permaneceram nalguns casos ao longo de séculos, ou que até há pouco tempo nos eram apresentadas como aquisições definitivas. E não podemos ignorar que se o consenso é suportado por um escol cientistas e peritos de larga escala, o cepticismo também é representado por cientistas com créditos, ainda que em número muito mais reduzido.
3.ª - As alterações climáticas são uma das consequências do principal problema - a dificuldade do homem em reconciliar-se com a Natureza.

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