O silêncio dos media e a memória nas redacções

Leio, atrasado, uma interessante (e muito importante) reflexão do Professor Manuel Pinto sobre o silêncio dos media que arreda do espaço público vozes que seria importante ouvir, pessoas que seria muito gratificante conhecer, testemunhos que nos enriqueceriam, factos que permitiriam ponderar o Mundo de outras maneiras.
Anoto os exemplos que aponta, concordando aliás que "nem são dos mais sintomáticos", e destaco a morte do advogado portuense Rui Polónio Sampaio, que serve para equacionar e possibilidade de ensaiar hipóteses de resposta à pertinente pergunta de Manuel Pinto ("Ninguém deu conta; ninguém achou importante. Meros critérios editoriais? Generalizados?"), justamente porque se trata de uma personalidade bem conhecida de muitos jornalistas, especialmente do Porto.
Sendo "do tempo" em que o conhecimento do falecimento de uma personalidade destas geraria o natural impulso para a notícia, até com pretexto para conversa de Redacção sobre a memória de episódios e feitos que cada um viveu mais ou menos de perto com ela, não arrisco pronunciar-me em definitivo sobre as causas - sim, seguramente não haverá apenas uma... - da omissão mediática. Mas poderia avançar uma hipótese. Por exemplo: a erosão da memória nas redacções e fora delas.
A erosão da memória colectiva das redacções não resulta apenas da intensa juvenilização da classe observada especialmente na última década, pois é uma consequência muito evidente da significativa sangria (despedimentos, rescisões mais ou menos de mútuo acordo, etc.) de jornalistas mais velhos, isto é, com memória - que é o atributo individual que mais conta para o caso - e por isso capazes de aferir imediatamente da importância de notícias envolvendo personalidades que conheceram mais ou menos de perto.
Isto, na eventualidade de a notícia ter chegado às redacções. Porque a informação sobre o falecimento do Dr. Rui Polónio Sampaio pode não ter chegado, de facto, às redacções. Por falta de iniciativa de quem poderia fazê-la chegar; ou porque quem poderia fazê-lo já não conhece ninguém nas redacções - o que também tem a ver com a perda de memória, com a perda de referências e com a consequente ruptura entre a realidade acontecida e a realidade percepcionada...


Aproveito para fazer a sugestão diária para Outras naves: o blogue colectivo do Projecto Mediascópio, da Universidade do Minho, Jornalismo e Comunicação, cuja visita revigorante recomendo.

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