Conspiração secreta em conferência pública

Com os requintes e malabarismos da propaganda governamental do costume, o primeiro-ministro encarregou uma ex-dirigente do seu partido de organizar, no Palácio Foz (equipamento público), suponho que expensas públicas, uma conferência intitulada "Pensar o futuro - um estado da a sociedade", iniciativa essa que é tão pública que foi anunciada com o pretendendo ouvir a sociedade civil, já que, a seu tempo, poderia interpelar os palestrantes, colocar questões, debater.
Consta que essa figura abstracta chamada sociedade civil só poderia aceder por convite, mas vamos admitir que a coisa é aceitável e que, não cabendo todo o povo português dentro dos refulgentes salões do Palácio Foz, sempre se há-de tolerar que o Governo seleccione, entre quem quer que seja e represente essa tal sociedade civil, quem dê conta do recado de representar as inúmeras sensibilidades, opiniões e propostas que a pátria gente encerra.
Dando isso de barato, vamos ao ponto seguinte: o da efectiva publicidade do magno acontecimento, no qual, segundo consta, estão uns sábios a cogitar colectivamente sobre o que fazer com esse monstro de luxo - o Estado Social - cuja morte os ainda presentes Governo e maioria parlamentar querem decretar com toda a urgência. Publicidade sim, porque em Democracia ainda não extinta há-de ter-se por conveniente que, ao menos na aparência, seja permitido que às larguíssimas franjas do povo impresente, por não representado pelos escolhidos, ou ausente por absolutas impossibilidades outras, cheguem os ecos de actos como estes.
Ora, sucede que a senhora organizadora decretou como estranho tal preceito e interditou a captação de sons e imagens dos painéis, bem como o relato do seu conteúdo pelos jornalistas presentes. Dito de outra maneira: os jornalistas podem estar presentes, mas é como se não estivessem, como se não tivessem olhos, nem ouvidos, nem inteligência - nada, zero - nem fosse seu dever explicar aos leitores, ouvintes e espectadores o que se passa naquela sala, o que se propõe, o que se discute, o que se perspectiva quanto ao futuro da sociedade.Ou seja, é como se os jornalistas fossem cúmplices de uma conspiração secreta contra o futuro de gerações e gerações de portugueses.
Um grupo de jornalistas e/ou órgãos de comunicação social tomou a decisão de abandonar a sala em protesto, optando por recolher declarações de palestrantes à sua saída dos trabalhos e o Sindicato dos Jornalistas tomou a posição de indignação e de protesto que se impunha. Mas a história não ficará por aqui.
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