As cinzas de Majdanek e limites éticos para a Arte

A alegada utilização de cinzas alegadamente recolhidas, por um artista sueco, num crematório do campo de extermínio nazi de Majdanek, na Polónia, na elaboração de uma pintura indignou muito justamente a comunidade judaica e abriu uma perturbante polémica acerca dos limites da Arte, segundo resulta da notícia do "Público" em linha actualizada às 18h16 de hoje.
Algumas breves e talvez apressadas considerações sobre o assunto:
Se tiverem sido efectivamente utilizadas cinzas humanas, a profanação e a utilização do seu produto ultrapassam em muito os mais tolerados limites éticos da criação artística e o autor colocou-se ao nível dos nazis que praticaram toda a sorte de violências, abusos e utilizações, incluindo "artísticas", das suas vítimas, que me escuso de enumerar.
E se isso aconteceu, levanta-se um problema muito sério quanto ao destino a dar à "obra" em causa (e às cinzas que sobraram), pois não deixa de ser inquietante que ela se mantenha disponível para a fruição - gratuita ou onerosa... - de quem quer que seja e que se perspective inclusivamente o chocante definitivamente chocante da sua valorização comercial.
Na hipótese de serem falsas, quer quanto à natureza quer quanto à origem, estaríamos perante um embuste inapelavelmente repugnante, pela instrumentalização obscena da memória do sofrimento de milhões e milhões de seres humanos.
Calculo que, como todas as polémicas, esta há-de ficar em breve sepultada no esquecimento. Mas espero que deixe algumas pistas de reflexão sobre os limites éticos da Arte, a exemplo do que aconteceu há muitos anos com as discussões de bioética sobre a utilização, pela comunidade científica, dos dados e resultados das "experiências científicas" do bando de "médicos" nazis com cobaias humanas obtidas nos campos de extermínio, utilização essa que só legitimaria os objectivos e os métodos do Dr. Megele e sua trupe.
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