Voluntários à força do RSI e o negado direito ao trabalho



Como dizia o Eduardo Guerra Carneiro, isto anda tudo ligado.
Estava eu acabar a actualização do meu Código do Trabalho, colando as devastadoras alterações aprovadas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, quando li, no JN de hoje, o elogio governamental do “voluntariado” como condição para ter o rendimento social de inserção (RSI).
Esmiúça-se, e o que se vê?  Os beneficiários do RSI serão obrigados a prestar 15 horas de trabalho semanal numa “actividade socialmente útil”.
Eu pensava que ser socialmente útil era ter trabalho, produzir riqueza, pagar impostos e descontar para a Segurança Social. Pelos vistos estava errado.
Ser “socialmente útil” é continuar excluído do emprego, auferir um subsídio de sobrevivência e entregar ao suserano dos tempos modernos uma determinada porção de trabalho.
Ser “socialmente útil”, não é ter direito a um verdadeiro programa de inserção social, com acesso a formação profissional e valorização das competências efectivamente adquiridas e consequente recolocação no mercado de trabalho.
Pelos vistos, ser “socialmente útil” é estar disponível para ser mão-de-obra barata, aliás, muito barata, paga pelo Estado e sem encargos (ou quase) para o empregador real, substituindo trabalhadores reais – a começar pelo próprio voluntário à força de RSI – que poderiam estar a ocupar realmente postos de trabalho.
Ser “socialmente útil” é ser vítima de um programa político que está muito mais interessado em camuflar um gravíssimo problema de pobreza galopante, que o sistema de prestações sociais está cada vez menos capaz de conter e inverter, do que em resolver o problema das baixas qualificações e do emprego no país e em  qualificar as pessoas que dele dependem e desenvolver projectos de efectiva (re)inserção no trabalho.
As contas são fáceis de fazer: a demagogia fica mais barata.
E não, não pactuo definitivamente com aqueles que acreditam – muitos, certamente com boas intenções – que um voluntário pode substituir um profissional, mais ou menos qualificado. Eles e nós sabemos que jamais será a mesma coisa…
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