Na apresentação do n.º 7 (III série) da revista "Diagonal"

Decorreu hoje, no Centro de Trabalho Guilherme da Costa Carvalho, no Porto, a apresentação do n.º 7 (III série) da revista Diagonal, do Sector Intelectual (SIntel) do Porto do Partido Comunista Português, na qual tive a oportunidade de falar sobre a entrevista ao secretário-geral do PCP que nela publico, aproveitando para dizer algumas palavras de reflexão sobre este importante género jornalístico.

Partilho se seguida a cábula da intervenção:

 

1. Para que serve a entrevista?

Para dar a conhecer a pessoa do entrevistado, o que pensa, o que propõe, o que realiza vs. tendência em voga, sobretudo em certas televisões e com algumas personagens, da entrevista “confrontacional”, interrompendo o raciocínio, por vezes com arrogância, atropelando com sucessivas perguntas sem as anteriores estarem respondidas…  

 

2. Breve reflexão – partilha de inquietações de ofício – sobre responsabilidade e exigências técnica e ética na entrevista, sobretudo na imprensa (geralmente editada)

Problemas:

                                I.            Espaço geralmente limitado vs clareza + capacidade de síntese + assertividade na origem

                              II.            Fidelidade ao que foi escutado (tomada de notas vs gravação) no processo de transcrição e escrita (edição) vs. Riscos de desvirtuamento, amputação/distorção de ideias, enviesamentos e… manipulações…

No fundo, o entrevistador apropria-se (captura?) a palavra e o pensamento do entrevistado.

A entrevista implica capacidades de:

a)      Escutar – ouvir com rigor + interpretar o escutado (as palavras e o seu sentido exacto…)

b)      Apreender o pensamento, o quadro mental e cultural do entrevistado – portanto, conhecer o interlocutor “por dentro”

c)      Interpretar lealmente tanto as palavras e as expressões transmitidas de forma clara e inequívoca como eventuais imprecisões, ambiguidades involuntárias, redundâncias e ideias incompletas…

d)      Escrever – ou reescrever, sintetizando – com inteira fidelidade ao que o entrevistado quis dizer   

 

Em O Detective Historiador – Ética e Jornalismo de Investigação[1], Oscar Mascarenhas explica melhor do que eu o que quis dizer-vos:

“Ouvir não significa apenas captar a voz de alguém e reproduzir dela o que se quiser ou convier. Ouvir é dar a voz a alguém para que a faça chegar ao público.

(…)

“Naturalmente, no diálogo, produzem-se afirmações repetidas, gramaticalmente mal construídas ou sem incidência sobre o caso – aquilo a que na gíria jornalística se chama ‘palha’ – e o jornalista não dispõe de espaço elástico nem a peça jornalística ganharia legibilidade: mas a reescrita do texto não pode desfigurar o essencial daquilo que a pessoa contactada [entrevistada] queria que o público soubesse.”

 

Para concluir esta reflexão, talvez possa afirmar que, para o bem e para o mal, é o entrevistador que, apropriando-se das palavras e das ideias e sendo mais ou menos capaz de penetrar e interpretar o pensamento do entrevistado, determina o que o entrevistado pensa e diz.

Para todos os efeitos, uma vez estampado em letra de forma, é o que fica lavrado na pedra. A menos que haja lugar a desmentido ou rectificação…   

Esperemos que não seja o caso!

 

3. Algumas considerações (e destaques) sobre a entrevista a Paulo Raimundo:

  • Realizada alguns meses após a assunção das novas responsabilidades, creio que a entrevista mostra, ou melhor, confirma um dirigente profundamente conhecedor do Partido e da sua organização, mas também da realidade, das dificuldades e problemas dos trabalhadores e do povo.
  • Mostra também um conhecimento concreto sobre os problemas dos trabalhadores intelectuais e a urgência de criar-lhes condições para assegurar não só a sua legítima aspiração de realização profissional, mas também para a valorização deste activo – perdoem-me o economês… – para o desenvolvimento do país nas suas múltiplas dimensões – cultural, científica, técnica e tecnológica, económica.
  • Reafirma a necessidade de aprofundar a ligação do Partido à vida de todos os dias, na senda da sua prática, mas especialmente dando expressão à sua reafirmação na Conferência Nacional de Novembro do ano passado.
  • Evidencia o papel central dos intelectuais, e especialmente dos intelectuais comunistas e outros progressistas, na batalha ideológica que hoje se trava, não obstante a dramática desigualdade de meios e de recursos, com larga vantagem para o campo capitalista

Vale a pena citar um extracto da entrevista que aliás justifica o título:

É claro que a batalha de facto é muito intensa e a correlação de forças é muito díspar. As ideias imperam a todos os níveis – na comunicação social, na academia, nas grandes opções culturais, naquilo que procuram marcar. Quem domina o sistema domina as ideias”.

  • Salienta o papel dos intelectuais progressistas – e, em primeira linha, dos comunistas – no debate de grande actualidade da luta pela paz, contra a guerra , contra todas as guerras.
  • Coloca em evidência a premência da defesa da Constituição contra os ataques das forças que insistem em subverter a Lei Fundamental, mas avisa também que não podemos estar desatentos àquelas forças que, parecendo defendê-la, pouco ou nada fazem para a preservar e aplicar.
  • Coloca-nos ainda perante a necessidade de resposta e de resolução dos problemas concretos das pessoas, dos trabalhadores e do povo – tarefa a que também, ou sobretudo, os intelectuais terão de deitar ombros, no sentido de estudar, conceber e apontar soluções – como forma de combater e neutralizar o ascenso da extrema-direita. Com isso, explica Paulo Raimundo, “ficarão a falar sozinhos”…


Muito obrigado pela vossa atenção.

 

E boas leituras!



[1] Âncora Editora, Lisboa, 2016    

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