E se perguntássemos a Pedro Fiúza?


Alimento há anos a ideia, sempre adiada, de coleccionar recortes de jornais e revistas com fotografias políticas, ou fotografias de Política. Até já pensei numa espécie de sub-título. Hesito entre "Olhares fotográficos" e "Interpretações dos editores". Por que não ambos?...

O primeiro parece-me mais generoso para com os autores das imagens que me proponho guardar e classificar. Há muito de fascinante também, remetendo para o que o repórter viu, sentiu, leu, interpretou e registou num dado instante: cada imagem reflecte uma perspectiva de observação, um ponto de vista.

O segundo, parecendo talvez maldoso, remete para a prática bem quotidiana da reinterpretação do momento, do conteúdo, do enquadramento e, em última análise, da "mensagem" da imagem original. Trata-se de um privilégio em geral dos editores/da hierarquia, isto é, de quem seleciona em definitivo o material fotográfico, sobretudo destinado à primeira página.

Amiúde, se coloca o problema: por que razões esta imagem e não aquela? O que quis transmitir-nos o autor ao registá-la? O que pretende comunicar-nos, ou de que modo nos conduz a determinada conclusão prévia, que a escolheu?

Olhemos, por exemplo, a fotografia que domina a primeira página da edição de ontem do jornal Público, na qual o secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Jerónimo de Sousa, surge atrás de um obstáculo quase perpendicular aos olhos, cuja utilização suscitou uma onda de reacções negativas nas redes sociais.

Muitos viram na opção gráfica o intuito editorial de sugerir algo como uma espécie de cegueira, que estará a acometer o líder e a direcção do PCP. E não foram poucos os que questionaram a opção do fotógrafo e as suas intenções alegadamente malévolas. Outros verberaram os responsáveis pela elaboração da primeira página

Embora o Público a atribua simplesmente à agência Getty Images, a foto, feita no comício de encerramento da Festa do Avante!, em 6 de Setembro de 2020, é de Pedro Fiúza. Que pretenderia o fotógrafo com ela?

No "file info" da imagem da agência, surge apenas a descrição de que o dirigente comunista foi fotografado atrás de dois microfones quando discursava no comício.

Não sei se Pedro Fiúza algum dia vai partilhar o que o levou a escolher exactamente aquele ângulo, aquele ponto de vista, e o que pretendeu transmitir. Mas que não vale a pena fazer de conta que a escolha editorial foi obra do acaso, não. 

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