Marcelino da Mata: um voto mais que dispensável

 

Muitos portugueses assistiram com perplexidade e preocupação à votação, ao final do dia da passada quinta-feira, na Assembleia da República, de um voto de pesar pela morte do Tenente-coronel Marcelino da Mata, figura controversa da história da Guerra Colonial na “antiga Guiné Portuguesa”.

O voto que, tal como a presença do Presidente da República e dos chefes de Estado-Maior General das Forças Armadas e do Exército nas cerimónias fúnebres, é incompreensível para quem, mesmo com a benevolência possível em relação ao contexto histórico da Guerra Colonial/Guerra de Libertação, encara pelo menos com a justa reserva actos que deveriam ser dispensáveis, sobretudo numa altura em que tudo serve para normalizar o fascismo e resgatar o colonialismo das incontáveis culpas.

Sob vários aspectos, é possível ler tanto nas diversas narrativas dos “feitos” militares do “militar mais condecorado do Exército português” como no próprio voto aprovado na Casa da Democracia pelo PSD, CDS, Chega e Intervenção Liberal e a maior parte dos deputados do PS, actos de glorificação do terror colonial de que tantos se ufanam.

Não vislumbro bravura alguma nos ataques assassinos, cruéis e traiçoeiros e nas chacinas em aldeias de velhos, mulheres e crianças indefesos, nem encontro nos relatos de operações em que o “comando” Mata participou ou comandou justificação razoável mesmo no contexto de uma guerra (por mais que evidente profundamente injusta e ilegítima, para a qual foram forçados muitos milhares de jovens) em que, em muitas circunstâncias, não havia alternativa senão matar ou ser morto.

Em tudo quanto li sobre esta figura, não creio ter encontrado fundamentos para que seja alçado à categoria de herói e retenho como relevante que este guineense, tendo sido incorporado no Exército português para combater o movimento de libertação da Guiné (PAIGC) por força das circunstâncias de domínio colonial, fez a escolha de ingressar e manter-se nas fileiras das forças coloniais extinta a obrigação do serviço militar.

É triste e doloroso para muitos fazer julgamentos tantos anos depois (neste ano, passem seis décadas sobre o início da Guerra Colonial/de Libertação) e muitos de nós não teremos sequer nem conhecimento de causa nem habilitação científica para formular um juízo informado sobre um assunto tão complexo.

Mas queria ir simplesmente a um ponto: o de que tudo isto era escusado. E era sobretudo escusado que a Assembleia da República aprovasse o texto que aprovou, ainda por cima com a Comissãode Defesa a apresentar uma proposta em substituição das apresentadas peloPSD e pelo CDS, que, pretendendo ser conciliatória, acabou ainda mais laudatória do que as iniciativas originais.

E, sintomaticamente, demonstrou que não era – não é – possível levar o hemiciclo a um mínimo de consenso e que a figura homenageada e os termos em que o foi o dividiram, como demonstra o quadro da votação:  

 

Levando a construção do mito ao ponto de relevar o facto – contrariado pelas propostas do PSD e do CDS – de o homenageado “nunca ter sido ferido com gravidade em situação de combate”, “destacando-se sempre pela sua coragem e bravura individual”, o panegírico parlamentar, pelos vistos obra da lavra de um eleito socialista, releva “o elevado número de louvores e diversas condecorações, das quais se destacam as de maior valor e significado militar” (tónica que nem sequer o PSD e CDS acentuam…), como se fosse indiferente o contexto histórico em que tão abundante reconhecimento ocorreu.

Mais: como se pode verificar na tabela de análise de conteúdos abaixo, a proposta da Comissão é a única a salientar que, “já depois do 25 de abril de 1974, foi promovido até ao posto de Major e graduado em Tenente-Coronel”, omitindo que as promoções posteriores à Revolução foram justificadas meramente “por diuturnidades”, isto é, por antiguidade.

 

Quadro

Análise de conteúdo das propostas – comparação de passagens

GP PSD

GP CDS

Comissão de Defesa da AR

Morreu no dia 11 de fevereiro, no Hospital Fernando da Fonseca, aos 80 anos de idade, vítima de COVID19, o Tenente Coronel Comandos Marcelino da Mata. Marcelino da Mata era o militar mais condecorado do Exército Português.

 

Combateu na antiga Guiné Portuguesa, entre os anos de 1961 e 1974, tendo participado em centenas de operações especiais de Comandos.

 

Nasceu a 7 de maio de 1940 em Ponte Nova, Guiné-Bissau. Foi acidentalmente incorporado no lugar do irmão no CIM-Bolama.

 

 

 Em 1960 ofereceu-se como voluntário após cumprir a primeira incorporação.

 

Integrou e foi fundador da tropa de operações especiais de Comandos na antiga Guiné Portuguesa tendo realizado ainda operações no Senegal e na Guiné Conacri.

 

Apesar de várias vezes ferido em combate apenas teve de ser evacuado da Guiné por ter sido alvejado, acidentalmente, por um camarada, assistindo ao 25 de Abril de 1974 em Lisboa.

 

Possuía as seguintes condecorações:

· Medalha Militar de 2.ª Classe da Cruz de Guerra (26 de julho de 1966)

· Medalha Militar de 1.ª Classe da Cruz de Guerra (9 de maio de 1967)

· Cavaleiro da Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (2 de julho de 1969)

· Medalha Militar de 1.ª Classe da Cruz de Guerra (21 de abril de 1971)

· Medalha Militar de 3.ª Classe da Cruz de Guerra (9 de junho de 1973)

· Medalha Militar de 1.ª Classe da Cruz de Guerra (22 de agosto de 1973)

 

 

 

 

 

 um militar de valor que dignificou Portugal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 A Assembleia da República vem assim manifestar o seu pesar perante a morte do Ten. Cor. Comandos Marcelino da Mata endereçando à família, ao Regimento de Comandos e ao Exército Português as suas mais sentidas condolências perante

No passado dia 11 de fevereiro faleceu, aos 80 anos, vítima de covid-19, o Tenente-coronel Marcelino da Mata, um dos militares mais condecorados do Exército português.

 

 

 

O Tenente-coronel Marcelino da Mata combateu na Guiné entre 1961 e 1974,

 

 

 Nascido na Guiné-Bissau, no dia 7 de maio de 1940, foi acidentalmente incorporado no lugar do irmão no CIM-Bolama em 3 de janeiro de 1960,

 

 

facto que o fez, posteriormente, oferecer-se como voluntário.

 

 Integrou e foi fundador da tropa de operações especiais Comandos na antiga província da Guiné, realizou operações no Senegal e na Guiné Conacri,

 

tendo sido diversas vezes ferido em combate, algumas delas com elevada gravidade

 

 

 

 tendo obtido as seguintes condecorações:

· Medalha Militar de 2.ª Classe da Cruz de Guerra (em 26 de julho de 1966);

· Medalha Militar de 1.ª Classe da Cruz de Guerra (em 9 de maio de 1967);

· Cavaleiro da Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (em 2 de julho de 1969);

· Medalha Militar de 1.ª Classe da Cruz de Guerra (em 21 de abril de 1971);

· Medalha Militar de 3.ª Classe da Cruz de Guerra (em 9 de junho de 1973);

· Medalha Militar de 1.ª Classe da Cruz de Guerra (em 22 de agosto de 1973).

 

 

 

 


Marcelino da Mata um Herói de guerra, que sobreviveu aos riscos e perigos da mesma, não conseguiu sobreviver aos impactos desta terrível pandemia que o mundo atravessa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pelo exposto, a Assembleia da República, reunida em sessão plenária, expressa o seu profundo pesar pelo falecimento do Tenente-coronel Marcelino da Mata e apresenta à família as suas sentidas condolências.

No passado dia 11 de fevereiro faleceu, no Hospital Fernando da Fonseca, aos 80 anos, vítima de covid-19, o Tenente-coronel Marcelino da Mata, um dos militares mais condecorados do Exército português.

 

 

Realizou e participou em inúmeras operações entre os anos de 1961 e 1974,

 

 

 

Nascido na Guiné-Bissau, no dia 7 de maio de 1940, foi acidentalmente incorporado no lugar do irmão no Centro de Instrução Militar em Bolama em 3 de janeiro de 1960.

 

Após cumprir a primeira incorporação, ofereceu-se como voluntário

 

e integrou desde a sua criação a tropa de operações especiais de Comandos na antiga Guiné Portuguesa.

 

 

e por nunca ter sido ferido com gravidade em situação de combate nos treze anos de serviço em campanha.

 

 

 O Tenente-coronel Marcelino da Mata obteve, ao longo da sua carreira, elevado número de louvores e diversas condecorações, das quais se destacam as de maior valor e significado militar:

• Medalha Militar de 2.ª Classe da Cruz de Guerra (26 de julho de 1966);

• Medalha Militar de 1.ª Classe da Cruz de Guerra (9 de maio de 1967);

• Cavaleiro da Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (2 de julho de 1969);

• Medalha Militar de 1.ª Classe da Cruz de Guerra (21 de abril de 1971);

• Medalha Militar de 3.ª Classe da Cruz de Guerra (9 de junho de 1973);

• Medalha Militar de 1.ª Classe da Cruz de Guerra (22 de agosto de 1973).

 

destacando-se sempre pela sua coragem e bravura individual

 

 

 

 Em 1973, ainda 1.º Sargento graduado em alferes, subscreveu o telegrama enviado por cerca de 400 combatentes a contestar o 1º Congresso dos Combatentes do Ultramar, que viria a decorrer entre os dias 1 e 3 de junho, daquele ano, no Porto.

 

Já depois do 25 de abril de 1974, foi promovido até ao posto de Major e graduado em Tenente-Coronel.

 

Pelo exposto, a Assembleia da República, reunida em sessão plenária, expressa o seu profundo pesar pelo falecimento do Tenente-coronel Marcelino da Mata e Comissão de Defesa Nacional apresenta à sua família, ao Regimento de Comandos, ao Exército Português e às Forças Armadas as suas sentidas condolências.

 

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