Contagens decrescentes
É já amanhã, dia 24, que se
realiza a Conferência Nacional dos Jornalistas, convocada pelo Sindicato para
alargar a discussão sobre o ponto de recuo a que chegaram o sector da
comunicação social e esta classe, com graves e perigosas consequências.
Alguém perguntava, há algumas
semanas, se a democracia deixa de existir com os despedimentos, o emagrecimento
das redacções e o encerramento de publicações. Como na boutade publicitária,
até pode ser que continue, mas não será a mesma coisa.
O momento em que foi estabelecida
pelo SJ a prioridade imediata de realizar a Conferência de amanhã, justamente
sob o lema “Democracia, Crises e Democracia”, era – e é – o de uma nova e
violenta erupção de despedimentos e de ataques a direitos dos jornalistas.
Mas esse momento tem atrás de si
um rasto de erosão das redacções, desde logo em força de trabalho, mas também
de memória, de experiência, de espírito crítico, de resistência ética.
Entre 2009 e 2011, cerca de
quatro centenas de jornalistas pediram subsídios de desemprego na Caixa de
Previdência e Abono de Família dos Jornalistas, ou seja, sem contar com um
número, seguramente elevado mas indeterminado, de camaradas que estavam
inscritos nos serviços regionais dos Açores e Madeira e no regime geral da
Segurança Social.
Em 2012, largas dezenas de
jornalistas foram ou estão a ser objecto de processos de despedimento
colectivo, de abordagens para a cessação do contrato de trabalho dita de mútuo
acordo, fazendo elevar o contingente de despedidos para mais de meio milhar em quatro
anos.
O desemprego crescente entre os
jornalistas (e outros trabalhadores do sector) corresponde à estafada mas
recorrente receita do patronato, de lançar mão de reestruturações
(organizacionais e gráficas) assentes no perigoso díptico da redução de pessoal
e da redução de espaço informativo.
O resultado preocupa. Menos
jornalistas a ver e a ouvir, a pensar e a perguntar, a responder e a inquietar
fica mais barato e incomoda menos. O pluralismo informativo e a saúde cívica
também estão em contagem decrescente. Só podemos recear que a democracia tal
como a sonhamos vai explodir ao segundo zero desta tragédia.
Será tarde? Não é. Por isso
propomos que os jornalistas discutam abertamente e entre si: por que chegámos
aqui? E como podemos ousar avançar noutras direcções recuperando terreno e
condições de trabalho? Ousaremos pensar nas causas e consequências das crises
da economia e do sector, mas também propor soluções.
Mas não deixaremos de reflectir
sobre os problemas que o propalado estado de necessidade das empresas levanta,
face à fuga de público e à redução da publicidade, sugerindo a suspensão das
consciências e colocando entre parêntesis a convicção ética e o escrúpulo
deontológico.
Por isso, também estará em debate
a resistência às derivas sensacionalistas, da superficialidade estéril e do
entretenimento fútil, do esbatimento perigoso das fronteiras entre jornalismo e
tráfico comercial, da afirmação de modelos estranhos aos valores e missão do
Jornalismo. Não, não poderemos aceitar uma implosão da Ética sacrificada no
altar da crise.
Com o demagógico argumentário da
crise e dos sacrifícios brutalmente impostos aos portugueses, o Governo e a
maioria parlamentar andam a convencer os cidadãos da bondade dos preocupantes
cortes ao financiamento público dos serviços públicos de rádio, televisão e
agência noticiosa.
Sobre este ponto, também não
enganamos ninguém. A proposta que fazemos é que se discuta, a fundo, o fundo do
problema ideológico: o governo e a maioria que o suporta embirram com os
serviços públicos e, no afã da pretendida refundação forçada do Estado, não
hesitam em sacrificar os mais importantes.
Num quadro mais vasto de ataque à
generalidade dos serviços públicos, incluindo a Educação e a Saúde,
sacrificando direitos básicos das populações, o Governo e a maioria esperam a
indiferença do povo pela importância da rádio e da televisão públicas e de uma
agência garantida pelo Estado e mesmo a hostilidade contra a manutenção destes
luxos.
É por
isso que o tempo joga contra nós. Há um imparável cronómetro cívico a contá-lo:
tic-tac, tic-tac, tic…(Texto publicado hoje aqui e aqui)
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