Liberdade de expressão ou decência parlamentar?

Por estes dias, algumas pessoas – umas que conheço e com as quais convivo; outras que me reconhecem no que faço e que me abordaram na rua – me têm perguntado o que penso sobre “essa coisa da liberdade de expressão” na Assembleia da República, a propósito das palavras desbragadas e inaceitáveis do líder do Chega, na passada sexta-feira, com que inflama o seu discurso extremista e as suas teses racistas e homofóbicas.

Não creio que “coisa” deva ser colocada ao nível da liberdade de expressão. Seria atribuir-lhe a dignidade que não tem e conferir-lhe um patamar de discussão que não merece. No essencial, a questão é de uma natureza na qual o presidente da Assembleia deveria ter sabido situar – a da decência parlamentar.

Seria paradoxal que, num Parlamento tão cioso das suas praxes e salamaleques, não devessem os deputados absterem-se – ou serem disso inibidos – de pronunciar termos e expressões desprimorosas e ofensivas em relação a pessoas presentes ou ausentes, a instituições nacionais ou estrangeiras e a outros países e respectivos povos.

É questão de decência e de decoro a que se obrigam os investidos no mandato popular tratar os outros – presentes ou ausentes – com respeito e consideração. Se não são capazes de fazê-lo, o Regimento da Assembleia da República (n.º 3 do art.º 89.º) prevê acertadamente:

“O orador é advertido pelo Presidente da Assembleia da República quando se desvie do assunto em discussão ou quando o discurso se torne injurioso ou ofensivo, podendo retirar-lhe a palavra.”

Por outro lado, a relativização moral de uma conduta censurável mas, no caso, escudada no respeito por uma espécie de liberdade de expressão irrestrita na oratória parlamentar, também não corresponde à melhor estratégia para contrariar a deplorável captura da agenda e dos trabalhos parlamentares pelo Chega.

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