Oleando a máquina da metralha anticomunista

Já pouco ou nada dissimulam: é cada vez mais evidente que a situação na Ucrânia, pese embora a justíssima condenação de que é merecedora a agressão militar russa, tem crescido, no nosso país, como mais um e virulento pretexto para atacar um inimigo de estimação por parte da Direita, de uma certa parte da Esquerda e de certos sectores da Imprensa – o Partido Comunista Português (PCP).

Ao mais pequeno incidente, ao mais obscuro bitate, ao mais relaxado comentário de uma personagem política, lá se puxa, nos media, da picardia ou da manchete, num recorrente exercício de tiro ao alvo.

Ainda há dias, o Público puxava para chamada de primeira página uma afirmação da ministra dos Assuntos Parlamentares que, no interior do jornal não corresponde a mais do que uma muito breve resposta a terminar o texto principal de uma entrevista com mais de duas páginas.

Era a resposta de maior relevância? Não, mas em maré de acirrada batalha ideológica, não se pode desperdiçar munições.

Na semana que passou, o tiro de artilharia estava destinado à manchete do Expresso, sobre a colaboração, desde 2005, de uma associação de imigrantes de várias nacionalidades de Leste – a EDINSTVO – com a Câmara Municipal de Setúbal, nomeadamente na área da tradução, no apoio prestado pela autarquia a refugiados da guerra na Ucrânia.

Várias outras autarquias, de outras cores políticas em vários pontos do país, têm com a EDINSTVO protocolos idênticos e de igual forma têm recebido o seu apoio no acolhimento de cidadãos ucranianos. Mas só Setúbal foi escolhida.

A manchete ajuda a perceber a razão: é que é uma câmara CDU; “comunista”, “liderada pelo PCP”, lê-se nas páginas interiores, embora, a Câmara de Setúbal, ainda que eleito na lista da CDU, seja na realidade presidida por um destacado militante do Partido Ecologista “Os Verdes”, André Martins.

O caso alargou o espaço ao líder de uma associação de ucranianos em Portugal, que aproveitou em pleno e a nova oportunidade para bolçar o seu anticomunismo e para dar largas, despudoradamente, aos seus reais desejos: o banimento do PCP.

Numa iniciativa em Lisboa, disse não perceber "como é que Portugal, um país democrático, continua a ter um partido como o PCP" – problema que, recorde-se, o seu país tratou de resolver, ilegalizando o Partido Comunista da Ucrânia.

É fácil, senhor Maksym Tarkivskyy: o Portugal democrático deve-se muito ao PCP e no Portugal democrático não se pode banir ou suspender partidos por decreto.

Mas o senhor Tarkivskyy foi mais longe: "Custa-me perceber como é que não filtram - as câmaras, as organizações... -, não filtram as pessoas dentro das próprias associações". "Quem são, o que é que fazem e quais são as ideias deles".

Pois a mim custa-me perceber como se dá espaço de antena a tiradas deste calibre sem um mínimo questionamento. É assim que se vai normalizando o fascismo, oleando ao mesmo tempo a máquina de metralha anticomunista.


(Corrigida às 00:27 de 02.Maio.2022)

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