A “criminalidade alta” deu mesmo votos a Ventura?
Estando a organizar papéis relativos às eleições autárquicas de 26 de Setembro, encontrei um recorte do “Correio da Manhã” sobre os resultados do partido Chega! com o sugestivo título “Criminalidade alta dá votos a Ventura”.
A
reforçar a ideia, o pós-título acrescenta: “Relação – Extrema-direita com mais
votos onde há mais crime participado”. O texto, publicado no dia 28, “arranca”
de forma coerente com a parangona:
“O Chega teve melhores resultados em concelhos com taxa de crime e poder de
compra mais elevados que a média
nacional. E nos locais com menos hospitais e médicos.”
No
entanto, esmiuçada a página – texto, caixas, “orelhas” – não se encontra um
único dado que suporte qualquer das afirmações.
Afinal,
onde é que há mais “crime participado?” Quais são os concelhos com “taxa de
crime” mais alta que a média? Nenhuma
pergunta tem resposta no CM.
Ora,
consultando as taxas de criminalidade no país, por região e por concelho,
publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e actualizadas ainda há
bem pouco tempo (16 de Junho passado), verifica-se que o jornal está muito longe de ter razão.
Dos
onze concelhos onde o Chega! “alcançou os dois dígitos”, apenas um – Campo Maior,
onde o partilho recolheu 11,59% dos votos – está, em oitavo lugar, com 50,8 por
mil (‰), entre os dez municípios com maior taxa
de criminalidade. Já agora, um pedaço longe da taxa nacional, que é de 29‰.
O
concelho onde a percentagem de votos naquele partido foi mais elevada (14,97%)
está ainda mais longe, encontrando-se na 270.ª posição do “ranking”, com uma
taxa de criminalidade de 18,6‰.O segundo foi Moura, com 14,35% dos votos, está
em 180.ª posição, com uma taxa de 23,2‰. O terceiro, Salvaterra de Magos
(13,30% de apoio eleitoral), está em 74.º lugar, com uma taxa de 29,8‰. Por aí
fora…
Mesmo
nos concelhos maiores e mais urbanos, nos quais o CM sugere a relação entre a
eleição de um vereador de extrema-direita e a criminalidade, os dados
desmentem-no. Exemplos: Cascais está em 138.º lugar, com uma taxa de 25,2‰ (abaixo
da “média nacional”); Loures situa-se em 135.º, com uma taxa de 25,4‰; Sintra
posiciona-se em 119.º, com 26,2‰.
É
sabido que alguns pretendem – e certa imprensa esforça-se muito nessa narrativa
– procurar associar a dinâmica eleitoral do Chega! às teses securitárias tão
caras à extrema-direita e alçar André Ventura a paladino da luta contra a
criminalidade.