Presidenciais em debate: a arena armadilhada

A RTP1 e a TVI24 inauguraram, no serão de hoje, o ciclo de debates, no estilo "frente a frente", entre candidatos às eleições para Presidente da República convocadas para o próximo dia 24, ciclo esse que será assegurado pelos três operadores de televisão, ora nos respectivos canais generalistas, em sinal aberto, ora nos respectivos canais informativos no cabo. 

O objectivo, espera-se, é contribuir para o esclarecimento dos cidadãos para que formem a sua opinião e façam a sua escolha de forma informada. Só essa missão principal convoca uma reflexão sobre como conduzir e como participar nesses debates, ou seja, sobre o conteúdo das perguntas e o estilo de "interpelação" e da moderação de quem tem a incumbência dessa condução, assim como sobre o conteúdo e a seriedade das respostas de quem participa e, sobretudo, sobre o respeito por normas de conduta que os contendores devem observar - por respeito pelo adversário e sobretudo pelos eleitores.

O debate na RTP1, entre Marcelo Rebelo de Sousa e Marisa Matias foi cordato, morno e quase não tem história, a não ser, no plano do conteúdo político, a verificação de que a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda e o próprio partido terem sido muito cumprimentados pelo recandidato presidencial, a quem ela tratou aliás sistematicamente como "Presidente", ao mesmo tempo que mostrou dificuldade em evidenciar o que verdadeiramente a distingue de Marcelo.

A contenda na TVI24 foi radicalmente diferente, com André Ventura não só a interromper, mas sobretudo a falar sistematicamente por cima das intervenções de João Ferreira, agressivo e repetitivo, e a repisar à exaustão os conhecidos lugares-comuns da vulgata anti-comunista e do seu discurso de ódio, com uma moderadora incapaz de disciplinar e de pôr ordem na discussão, mas lançando questões que nada têm a ver com o mandato presidencial.

Desde há certo tempo que alguns intelectuais e actores políticos têm colocado em análise a necessidade - e a "vantagem" - de trazer para o debate os dirigentes da extrema-direita, de modo a demonstrar na arena democrática o quão vazios de ideias são e o quão perigosas são as poucas ideias que possuem. Em democracia, em tempo de campanha eleitoral, é evidente que os candidatos têm o direito a aceder a essa arena.

Mas o que o pugilato verbal proporcionado pela TVI mostrou é que essa arena está armadilhada quando personagens como Ventura estão mais interessados (e treinados para tal) em fazer valer meia dúzia de chavões encavalitados num estilo rufia e grosseiro do que em debater com substância e com serenidade. Os Venturas desta vida simplesmente não querem ouvir os outros nem permitem que estes sejam escutados.

Já agora, também ajuda pouco a elevar o nível do debate quando, quase invariavelmente, se pergunta aos comentadores chamados de imediato a estúdio "quem ganhou" a refrega.
             

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