OE 2012: "Chocante insensibilidade social" da "ideologia do 'Estado mínimo'"

Grupo Economia e Sociedade (GES) da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), organismo da Igreja Católica, divulgou hoje um importante documento de reflexão sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2012. Alguns extractos significativos:
  • Os argumentos apresentados para uma estratégia de grande austeridade tão pouco são convincentes: tão depressa os compromissos do Memorando da Troika são ditos intocáveis, como são esquecidos para satisfazer interesses de alguns sectores ou caem por serem ostensivamente mal fundamentados.
  • Preocupa-nos, igualmente, que o OE-2012 pondere de forma muito desequilibrada os vários interesses em presença, favorecendo os dos credores, que são quem dita as regras de jogo, em prejuízo dos interesses legítimos da população portuguesa.
  • O OE-2012 revela uma chocante insensibilidade social, expressa em múltiplos aspectos com destaque para os seguintes: a drástica redução dos rendimentos disponíveis das famílias, quer pela via dos cortes salariais, quer pelo aumento de impostos directos e indirectos, com consequências dramáticas para um aumento drástico da incidência da pobreza e das desigualdades na repartição do rendimento.
  • O argumento da inevitabilidade de cortes nos rendimentos do trabalho é, ainda, menos convincente quando, por exemplo, se verifica que ficam praticamente intocados os rendimentos de capital, que são, como se sabe, prevalecentes entre os mais ricos
  • Não é difícil descortinar que, por detrás das medidas propostas, está uma opção ideológica pelo chamado “Estado mínimo”, mas há que salientar que esta não foi validada democraticamente, embora configure uma alteração do modelo constitucional em matéria de direitos sociais.
  • A mesma ideologia inspira cortes acentuados em sectores onde a responsabilidade do Estado deveria ser inquestionável, como é o caso da saúde, educação, segurança social, sectores em que a preocupação maior deveria ser garantir o seu funcionamento eficiente.
  • Também nos merecem reparo as alterações propostas em relação ao mercado do trabalho, pois aquelas rompem o contrato social construído nas últimas décadas, fragilizam de forma inaceitável os trabalhadores e potenciam maior conflitualidade social.
  • Em suma, nesta proposta  do OE-2012, por razões ideológicas e não tanto por razões de inevitabilidade funcional, o Governo parece ter escolhido o caminho da facilidade, o de atacar o elo mais fraco, em vez de aproveitar a crise para afrontar interesses instalados e proceder a um definitivo saneamento das contas públicas e à necessária reforma do Estado.
  • É preocupante, por exemplo, que não se assista, ainda, a uma renegociação urgente das Parcerias Publico - Privadas (PPP), cujo impacto futuro nas contas públicas se anuncia como muito gravoso e insustentável.
  • Também não se vislumbra qualquer intenção de promover uma renegociação da dívida, de modo a expurgá-la da respectiva componente especulativa e reavaliá-la no quadro das reconhecidas disfuncionalidades da zona euro.

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