Concentração de meios de informação: de que estão à espera?


O "Diário de Notícias" dá hoje conta que o Governo e "ameaça" recuperar a lei sobre a não concentração da propriedade dos meios de informação vetada por duas vezes pelo Presidente da República.
"PS ameaça Cavaco com lei vetada sobre concentração dos media", titula o diário em manchete. A peça no interior, com o título "PS recupera lei vetada por Cavaco", esclarece, citando uma resposta escrita do gabinete do ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão, que este "assumiu a temática da concentração dos meios não constituía a sua primeira prioridade".
"Todavia", acrescenta logo a referida resposta, "se o tema do pluralismo nos meios de comunicação social e da transparência na titularidade dos seus órgãos vier a ser identificado como relevante nas preocupações da Assembleia da República, o Governo saberá estar atento e agir em conformidade".
Ora, precisamente, o Governo já deveria ter "agido em conformidade", como já aqui foi sublinhado há mais de uma semana. Desde logo com o compromisso eleitoral do Partido Socialista, trasladado para o Programa de Governo, de proceder "à aprovação de regras sobre a transparência, não concentração e pluralismo dos meios de comunicação social".
Os deveres dos outros
Assim como os restantes partidos devem agir igualmente de acordo com as suas responsabilidades, conforme constam dos respectivos programas eleitorais, que a seguir se recorda, transcrevendo o que neles constava sobre o assunto:
PSD
Promoveremos a transparência na titularidade dos órgãos de comunicação social, prevenindo uma concentração excessiva que possa pôr comprometer o pluralismo inerente a uma sociedade democrática, sem deixar, porém, de atender à necessidade de grupos de comunicação social economicamente sólidos e competitivos, a nível nacional e europeu.
PCP
A defesa da democracia implica também a luta pela garantia da liberdade de imprensa. A concentração dos órgãos de comunicação social nas mãos de um reduzido número de grupos económicos põe em causa a liberdade de imprensa, o direito a informar e a ser informado, e os mais elementares direitos dos jornalistas.
Importa por isso adoptar legislação anti-concentração; garantir medidas de respeito pelo pluralismo e isenção dos meios de comunicação social e defender e afirmar os serviços públicos de rádio e de televisão; alterar o Estatuto dos Jornalistas, impondo o respeito pelos seus direitos profissionais e deontológicos. É ainda parte integrante de uma política alternativa a valorização do Serviço Público de Televisão e Rádio através de uma profunda reestruturação que estabeleça os princípios de uma gestão profissional, rigorosa e independente do poder político e as contrapartidas essenciais ao prosseguimento dos seus objectivos, bem como, a valorização e apoio efectivo à comunicação social regional e local.
CDS
A passada legislatura ficou marcada pela tentativa do Partido Socialista de aprovar uma lei sobre o (pluralismo e não-concentração) que levantava várias perplexidades junto dos agentes do sector, nomeadamente por representar um ataque à liberdade de imprensa e pluralismo de informação, com a tentativa de intervenção na Rádio Renascença por artificial "excesso " de concentração no sector das rádios; por criar sobreposições entre vários reguladores como a ERC, a Autoridade da Concorrência, a ANACOM, a CNVM, o Banco de Portugal e outras entidades a fazendo a regulação simultânea da actividade, complicando em especial o processo de aprovação de operações de concentração e impedindo o ganho de escala pelos grupos nacionais.
Felizmente, o Presidente da República vetou esta iniciativa legislativa, não só pelos limites que introduzia à actividade jornalística, mas também por representar um contra-senso face à aprovação, no seio da União Europeia, de directivas comuns, relativas ao que deve ser entendido como excesso de concentração.
Na próxima legislatura o CDS acompanhará o desenvolvimento desta questão na União Europeia, mantendo uma especial vigilância sobre a actuação dos reguladores, de modo a que não sejam utilizados para condicionar os grupos de comunicação social.
CADERNO DE ENCARGOS
(…)
2. Acompanhar o desenvolvimento da definição de não concentração ao nível da União Europeia.
3. Manter especial vigilância sobre a actuação dos reguladores, de modo a não serem utilizados para condicionar os grupos de media.
BE
Uma política de igualdade para a cultura tem de passar por uma regulação dos meios de comunicação social que assegure a pluralidade de expressões culturais, combatendo a concentração e o domínio das multinacionais de produção de conteúdos ou de edição e rejeitando a sobreposição dos seus critérios a critérios de difusão democráticos (ao nível, por exemplo, da difusão musical)
O controlo oligopolístico da comunicação social em todas as suas modalidades, conjugado com o extraordinário poder de influência, socialização e manipulação que os media adquiriam, é um risco para a democracia.
É essencial por isso impedir a concentração dos meios de comunicação social e de distribuição (imprensa escrita, agências noticiosas, rádio, televisão, cabo, distribuidoras, etc), impedindo posições dominantes que põem em causa a ideia de cultura, de informação e da comunicação enquanto bens públicos e democráticos.
(…)
A comunicação social é dominada em Portugal por cinco grandes grupos, quatro deles privados. Para além de todos os perigos inerentes a qualquer monopólio ou de abuso de posição dominante, no caso do sector da informação a concentração põe em causa o pluralismo, a liberdade de imprensa e a própria democracia.
Afirma a Constituição que «o Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, impondo o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação geral, tratando-as e apoiando-as de forma não discriminatória e impedindo a sua concentração, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas».
A Constituição não poderia ser mais clara. No entanto, assiste-se em Portugal a um quase vazio legal nesta matéria. Em 1992, o Parlamento Europeu recomendou aos Estados-membros «que ainda não possuam legislação específica relativa às operações de concentração no domínio da imprensa e do audiovisual a criarem esse instrumento o mais rapidamente possível». Em Setembro de 2008, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre a concentração e pluralismo nos media, defendendo que só o pluralismo da sua titularidade defende os direitos e a autonomia profissional dos jornalistas.
Há mais de uma década, sobretudo desde a atribuição de licenças a rádios e televisões privadas, que a situação portuguesa evoluiu de uma forma preocupante. Está a ser construído em Portugal, tal como noutros países, um monopólio da opinião e os interesses que se movem na área das empresas de comunicação social influenciam de forma directa e já pouco discreta muitas das decisões do poder político.
O Bloco de Esquerda pretende travar o processo de concentração emergente e impedir a concentração horizontal, vertical e multimédia. Este objectivo não impede, por si só, a existência de sinergias positivas que permitam a convergência de meios de comunicação e a optimização de meios tecnológicos e tem em conta o reduzido mercado nacional.
A CONCENTRAÇÃO DA PROPRIEDADE DA COMUNICAÇÃO SOCIAL EM PORTUGAL
Temos, neste momento, quatro grandes grupos privados de comunicação social: Cofina, Impresa, Media Capital e Global Notícias. Isto, deixando de fora a Igreja Católica e a Impala, com características um pouco diferentes. O outro grupo é o que corresponde ao serviço público (RTP e RDP). Se olharmos para a Cofina, Impresa, Media Capital e Global Notícias, então temos um cenário preocupante.
A Cofina tem participações na revista "Máxima ", no jornal "Record ", no "Jornal de Negócios", "Correio da Manhã" e nas distribuidoras VASP e Deltapress (estas duas empresas detêm mais de 90 por cento do mercado da distribuição).
A Impresa tem também uma participação na VASP.Detém o jornal "Expresso " e as revistas "Visão ", "Caras " e "TV Mais ", num total de quase 30 títulos. Detém ainda o canal generalista SIC e os canais de cabo SIC Notícias, SIC Radical e SIC Mulher, tendo um acordo com a TV Cabo que lhe dá prioridade na criação de canais de língua portuguesa neste meio. Detém ainda uma participação de 25% na agência LUSA, uma empresa maioritariamente de capitais públicos.
A Media Capital detém o canal de televisão TVI, a Rádio Comercial, Rádio Cidade e as revistas "Fortuna " e "Expansão".
O quarto grupo é o que resulta da venda das participações da PT na comunicação social, originando a actual dimensão da Global Notícias, detentora de títulos como o "Diário de Notícias ","Jornal de Notícias ","Notícias Magazine ","24 Horas ","Diário de Notícias" (Funchal), num total de 20 publicações. Detém ainda a participação dominante na TSF, numa gráfica e numa distribuidora.
Assim, para combater a concentração privada dos meios de comunicação social, o Bloco propõe:
• Impedir participação de uma entidade privada em mais do que um canal de difusão por meios hertzianos analógicos;
• Uma empresa que tenha a propriedade da rede fixa de telefone ou de um canal de distribuição por cabo, ou da Televisão Digital Terrestre, não pode ter participação num canal de TV com sinal aberto;
• Obrigar a TV Cabo a aceitar a transmissão das emissões, em igualdade de circunstâncias, de todos os canais que se candidatem a elas, desde que garantam viabilidade económica e técnica;
• Garantir a independência da agência noticiosa nacional em relação aos grupos privados de comunicação social;
• Impedir posição dominante no mercado das rádios de âmbito nacional;
• Prevenir a concentração ou as compras hostis no mercado local de imprensa;
• Impedir posição dominante no mercado de jornais nacionais generalistas e na imprensa especializada mais relevante (economia e desporto);
• Aumentar a independência da imprensa especializada face às empresas do sector respectivo;
• Separar as empresas da distribuição das empresas de comunicação social.
• Alterar profundamente o funcionamento da entidade reguladora, dando-lhe poderes efectivos e retirando ao poder político os poderes de licenciamento que hoje tem, meios para exercer eficazmente as suas funções e uma forma de nomeação que lhe confira autoridade política e técnica.

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