Não, não podemos aceitar a censura da UE à RT e à Sputnik!

Há vários dias foi anunciada a censura europeia ao canal informativo no cabo RT (anteriormente designado Russia Today) e à agência de notícias russa Sputnik. Hoje, consumou-se: com a aplicação do Regulamento (UE) 2022/350 do Conselho, de 1 de março de 2002, nos 27 países da União Europeia, Portugal incluído, os distribuidores de serviços de programas de televisão e os serviços de redes sociais estão proibidos de os disponibilizar.

Não vi ainda nenhuma organização – nem a Federação Internacional de Jornalistas, nem a Repórteres Sem Fronteiras, nem o português Sindicato dos Jornalistas –, nem nenhum movimento de sobressalto cívico condenar tal acto de censura com a veemência que se impõe, ou sequer esboçar o mínimo gesto, tímido que fosse.

Não é necessário invocar o argumento, aliás correcto, da enorme utilidade, para os jornalistas e para os cidadãos em geral, de termos acesso a pontos de vista diferentes, porventura contraditórios e até antagónicos, sobre factos.

Basta-me, e já não é nada pouco, o profundo choque perante o atropelo a princípios fundamentais firmados em instrumentos internacionais:

“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas ideias e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.” [1];

“Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras.”[2]

Basta-me, e choca-me muito, a vergonhosa ofensa, pelo Governo do meu país, ao direito sagrado direito constitucional da liberdade de expressão e informação:

“1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimento nem discriminações.

2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.”[3]

Basta-me salientar que, por muito que a Comissão Europeia, o Conselho da União, os governos nele representados e o Parlamento Europeu argumentem contra os malefícios da propaganda russa no espaço público, é sempre preferível a liberdade de expressão à imposição de restrições ilegítimas e ao silenciamento de vozes diferentes.

A história mostrou já com demasiada crueldade que, por muito boas que pareçam as intenções dos que a promovem, a censura é sempre uma medida má. Se já tinham pouca, os que condenam medidas semelhantes noutras latitudes perderam agora qualquer legitimidade para o fazerem.

Se os dramáticos acontecimentos no Leste da Europa já mostravam o quanto órgãos de informação têm transigido face à propaganda, à manipulação e à desinformação, o que aconteceu é uma capitulação.    

Não, não vale tudo. Não podemos aceitar!


EM TEMPO – Vou ficar à espera do relatório dos RSF sobre o estado da liberdade de expressão no mundo relativo a 2022…


[1] Artigo 19 da DeclaraçãoUniversal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução n.º 217 A (III), de 10 de Dezembro de 1948

[2] Artigo 10.º, n.º 1 da Convenção Europeiapara a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovada em Roma em 4 de Novembro de 1950  

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