Agustina Bessa-Luís e "O Primeiro de Janeiro"

Aspecto parcial do artigo que assino hoje no "Jornal de Notícias"
Conheci pessoalmente Agustina Bessa-Luís na ressaca das eleições presidenciais de 1986, nas quais estivéramos em campos opostos: a escritora, como mandatária de Diogo Freitas do Amaral, o candidato da Direita; eu, como apoiante anónimo de Salgado Zenha, primeiro, e modesto contribuidor, depois, para o derradeiro tempo de antena que, creio ainda hoje, foi decisivo para a vitória de Mário Soares na segunda volta (12 de Fevereiro).

O nosso primeiro encontro foi na casa da escritora, na Rua do Gólgota, indigitada nos primeiros dias de Junho desse ano para directora do jornal “O Primeiro de Janeiro”, para efeito de uma longa reunião (umas três horas, se não erro), para discutir, como membro do Conselho de Redacção de “O Primeiro de Janeiro”, as garantias de abertura do jornal. Era a condição para que recebesse o parecer favorável do CR – então vinculativo – à sua nomeação.

Dava-se o caso de o jornal ser então detido pelo Consórcio Difusor de Notícias (CDN), criado por Freitas do Amaral, que recebera o “Janeiro” das mãos da herdeira do industrial Manuel Pinto de Azevedo Júnior, estando perigosamente partidarizado e enfeudado à Direita, sobretudo ao CDS.

Esse afunilamento estava a ser profundamente deletério para um jornal que, no tempo do fascismo, cultivara uma imagem de independência e sofrera até perseguições da Censura e da PIDE. A par de aventuras imobiliárias, escavou sérias dificuldades que levaram à ocorrência crónica de salários em atraso, sobretudo a partir de 1983.

Era forçoso que o jornal se abrisse. Agustina compreendia esse anseio legítimo dos jornalistas e dos trabalhadores, mas também essa necessidade vital, pelo que assumiu plenamente tal compromisso. 

Levou-o até ao fim, batendo com a porta em 25 de Novembro de 1987, quando descobriu que a Administração lhe fora gravemente desleal, fazendo imprimir à socapa, e ilegalmente, a 4 desse mês, uma falsa segunda edição de 12 Março, que inseria dois anúncios de convocatórias das Fábricas Triunfo, de Coimbra, para uma assembleia geral de accionistas. 

Nos 17 meses em que dirigiu o velho “PJ”, Agustina tinha uma presença absolutamente discreta. Não me recordo de ter ido alguma vez à Redacção. Quando chegava, subia as majestosas escadas da sede de Santa Catarina (onde se situa hoje o centro comercial Via Catarina) e percorria num silêncio de pluma o corredor que separava as duas grandes salas da Redacção e a levava ao seu gabinete, que era uma espécie de santuário.

Nele que decorriam as reuniões do Conselho de Redacção, que Agustina levava a sério com uma solenidade quase severa, escutando-nos com atenção. Devemos-lhe realmente essa capacidade de ouvir e de fazer com que se cumprisse o desígnio comum de abrir o jornal à pluralidade de correntes. 

Foi graças a ela que o “PJ” cobriu as eleições legislativas de 1987 acompanhando com espaço idêntico e valorização editorial semelhante pelo menos as principais forças concorrentes, sem descurar as mais pequenas, esforço de imparcialidade que representantes das várias listas reconheceram em depoimentos publicados no último dia.

Essas eleições deram a primeira maioria absoluta ao PSD de Cavaco Silva, o primeiro-ministro que aboliu o carácter vinculativo dos pareceres dos conselhos de redacção…

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