Livros condenados ao aço

Gosto de livros. De ler e de possuir livros. E de voltar a lê-los, por prazer ou por necessidade (e é tão bom ter necessidade de ler!). Possuo imensamente menos livros do que aqueles que gostaria de ter. Cobiço as montras, escaparates e estantes das livrarias e dos alfarrabistas, medindo as economias. Regozijo-me com a disponibilização dessacralizada de livros entre mercearias e bugigangas (sim, apoio e acho uma festa a venda de livros também em supermercados, aproximando-os de quem com eles menos convive!). E, sobretudo, frequento com alvoroço quase juvenil as bancas ocasionais nas estações do metro e/ou do comboio ou em centros comerciais, nas quais encontro a preços razoáveis obras que noutras alturas não pude comprar e correspondendo, nalguns casos, a edições dignas de bibliófilo.
Por causa da existência dessas bancas, como também da de muitos alfarrabistas, bem como de feiras de ocasião (livros a preços muito, muito baixos), convenci-me de que se tratava da recolocação em venda de edições que se mantinham em stock nas editoras e que estas escoam as suas existências antigas por esta via, libertando espaço nos armazéns (sabe-se que o custo por metro cúbico anda pela hora da morte...) e realizando alguma receita.
As notícias - primeiro no "Jornal de Notícias" de 9 de Fevereiro e retomadas nos últimos dias noutras publicações - segundo as quais o grupo Leya destruiu (guilhotinou, dizem eles) milhares de livros de Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, e outros autores, sendo igualmente habitual os editores guilhotinarem obras em armazém há tempo excessivo (como medirão os editores o tempo?), fizeram desvanecer essa ilusão ingénua em que vivia.
Se há assim tanta sobra de livro, a ponto de se destruírem livros, por que razões não se organiza a sua justa oferta a tantas e tantas bibliotecas (de escolas, de colectividades, de sindicatos, de centros de dia e lares de idosos, de estabelecimentos prisionais) que deles necessitam e não têm recursos para a sua compra? E se nessas instituições já abundassem, por que razão não se organiza a venda dessas sobras a custo muito baixo nas praças, nos centros comerciais, nas estações do metro e do comboio, nas praias?
Leio, incrédulo e indignado, entre as justificações para a destruição, o facto de se tratar, nalguns casos, de exemplares já... manuseados. Estupefacto, passeio os olhos nas minhas pobres estantes e reencontro-me com os livros - "manuseados", mil vezes manuseados sei lá por que mãos! - que adquiri nos alfarrabistas, enquanto a memória me devolve os inúmeros títulos que não pude comprar. E invejo absolutamente os Senas e os Eugénios condenados ao aço da Leya que eu e tantos outros amantes da leitura não pudemos ter, mesmo "manuseados".  
E dou comigo a interrogar-me que raio de gente será esta.

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