Concertação Social não pode condicionar negociação colectiva nem Parlamento

Por iniciativa da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Integração, realizou-se, nesta terça-feira, a Conferência “O presente e o futuro da concertação social” (programa abaixo), na qual fiz a seguinte intervenção:

Esta conferência realiza-se num contexto económico e social caracterizado pelo agravamento do custo de vida para largas camadas da população, cujos salários estão longe de corresponder a necessidades fundamentais das famílias – na alimentação, na electricidade, no gás, na educação – e às responsabilidades com o arrendamento ou a aquisição de habitação.

Destaca-se também, em contraciclo e em contradição com a evolução tecnológica, a intensificação do trabalho, com a crescente generalização dos regimes de trabalho por turnos e nocturno em empresas e sectores que não asseguram necessidades impreteríveis e que bem dispensariam a laboração contínua, não fosse o afã da maximização do lucro pelo lucro, a par de uma insustentável precarização das relações de trabalho, e da inaceitável perpectuação do modelo de baixos salários e de injusta distribuição da riqueza.

O que se coloca como exigências inadiáveis na ordem do dia é a necessidade do aumento do salário mínimo nacional, a elevação geral dos salários (bem como das pensões e reformas) adequada ao insustentável peso do custo de vida, a redução dos horários de trabalho, o aumento do número de dias de férias e o estabelecimento de limitações ao recurso ao trabalho por turnos e nocturno.

Trata-se de exigências que valorizam a acção reivindicativa dos trabalhadores e dos seus sindicatos e às quais a negociação colectiva tem de dar resposta, mas apontam a necessidade de medidas de políticas públicas – pelo Parlamento e pelo Governo – especialmente de natureza legislativa, para as quais a Concertação Social pode concorrer, mas não condicionar, como decorre do enquadramento constitucional (Artigo 92.º) dos princípios e objectivos do Conselho Económico e Social.

Embora haja quem a conceba como uma espécie de câmara de conciliação de classes, a Concertação Social não pode constituir um instrumento de desmantelamento do sistema de relações laborais e da luta dos trabalhadores, organizada e de classe, em benefício, profundamente desequilibrado, dos interesses do patronato e dos grandes grupos económicos e financeiros.

Mas é no sentido desses interesses de parte – e da parte dominante – que convergem os eixos essenciais de sucessivos acordos, como os que travam a justa e adequada actualização do salário mínimo nacional e limitam e condicionam a um tecto geral a valorização salarial que deveria resultar de uma livre e dinâmica negociação colectiva.

Fruto da governamentalização da Concertação Social, a pretexto do fomento da competitividade, mas na realidade ao serviço dos interesses das grandes empresas, as pretensas políticas de rendimentos são subordinadas a taxas de inflação estimadas mas que nunca se confirmam e à melhoria da competitividade da economia, que aproveita mais aos interesses dos de sempre e menos aos que produzem a riqueza e que têm justificado a precarização e da desregulamentação do trabalho.

É na pretensa busca institucional de uma paz social de decreto que se pretende reduzir ou limitar a acção e as dinâmicas reindicativas dos trabalhadores e afastar a eficácia e condicionar o âmbito na negociação colectiva, visando subtrair-lhe importantes conquistas dos trabalhadores e influenciando alterações negativas à legislação laboral.

Também nesta Casa é manifesta a cedência, evidentemente instrumental em ordem a proteger as maiorias do PS, ou do PSD/CDS e os governos que suportam, sobretudo na perspectiva da desvalorização e neutralização da iniciativa legislativa da oposição, à crescente sobreposição da Concertação Social em relação às funções nomeadamente da Assembleia da República.

De facto, é muito frequente a rejeição de propostas de avanços fundamentada apenas na mera invocação de acordos em sede de Concertação Social, mas na verdade impondo as posições do patronato em desfavor dos trabalhadores (por vezes tomando decisões e medidas inconstitucionais), como a degradação dos salários, a revisão da legislação laboral, a limitação de direitos e a desregulação dos horários.

Quando se reflecte sobre o papel e a acção da Concertação Social, é, pois, urgente valorizar as atribuições e competências do Parlamento, por definição insusceptíveis de captura por quem quer que seja.


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