A morte do Ribeiro Cardoso não veio nos jornais



Os jornais do dia não trazem a morte do jornalista Albino Ribeiro Cardoso. Bem sei, tinha 77 anos, estava doente, não era presença nos “eventos” mundanos nem se punha em bicos de pés. E, todavia, muitos de nós sabemos o que o Jornalismo lhe deve – sobretudo à sua cuidada atenção às suas práticas e à sua história. Assim como lhe devem o Sindicato dos Jornalistas, o Clube de Jornalistas e a Casa da Imprensa.

Nascido no Porto em 16 de Maio de 1945, Ribeiro Cardoso – o Bininho para os íntimos – foi jornalista nos extintos “Diário de Lisboa”, “O Jornal”, “O Diário” e “Europeu”, tendo trabalhado também na RTP, onde foi coordenador de programas e director da revista “TV Guia”, tendo passado também pela delegação de Lisboa do “Jornal de Notícias”.

Conhecemo-nos nas lides e lutas sindicais. Além de ter sido presidente do então Conselho Técnico e Deontológico, foi vice-presidente da Direcção e membro do Conselho Geral, órgão para o qual foi eleito ou candidato creio que na totalidade de listas que eu tive a honra de integrar. E foi-o até às últimas, assumindo o combate pelo nosso projecto sindical com empenho e galhardia (A imagem que ilustra este texto – cujo autor desconheço – foi aliás cedida para uso na propaganda da lista A).  

Era um ferrinho nas reuniões do CG e da Assembleia Geral, com a sua fala acutilante mas serena, fraterna e crítica. Não deixava em mãos alheias o que lhe cabia questionar e não deixava ninguém sem resposta, mesmo que fosse para conciliar. Com o Oscar Mascarenhas, fazia uma parelha de se lhe tirar o chapéu. Devo aliás a ambos, além de uma estima grata e profunda, a determinação com que me defenderam de ataques diversos fora das paredes do Sindicato. Mas isso são contas de outros rosários…

Para além de dirigente do Clube de Jornalistas, Albino Ribeiro Cardoso destacou-se na responsabilidade e na moderação (entre outros camaradas) do programa de debate sobre Jornalismo com o título homónimo na RTP 2, numa feliz parceria com a RTP, se não me engano por alturas de 2008 e seguintes, que nunca mais teve igual.

Sem espaço na antena, não desistiu de usar o espaço público para analisar à lupa o Jornalismo e até jornalistas, escrevendo quase diariamente – e depois de forma mais esporádica – no sítio oficial do clube, creio que até Fevereiro de 2020.

A par, escreveu dois importantíssimos livros, ambos produto de aprofundadas e porfiadas pesquisas, além do profundo conhecimento directo que possuía sobre os temas: um sobre as condições do exercício do Jornalismo na Madeira (“Jardim, a grande fraude – uma radiografia da ‘Madeira nova’”, Caminho, Lisboa, 2011); e outro sobre os saneamentos revanchistas e as perseguições aos jornalistas comunistas e outros progressistas nos meios de informação estatizados desencadeados pelos vencedores do 25 de Novembro (“O 25 de Novembro e os media estatizados – uma história por contar”, Caminho, Lisboa, 2017).

Guardo com gratíssima memória e proveito as longas conversas, sobretudo telefónicas, dada a distância, que tivemos sobre esses dois livros e um terceiro que tinha em avançada preparação quando, há poucos anos, a saúde começou a faltar-lhe. Mantenho reserva sobre o assunto que versa, não sabendo exactamente em que estado deixou a obra, mas fazendo votos sinceros de que possa ser editada postumamente.

O funeral realiza-se neste sábado, pelas 14 horas, com saída da igreja do Parque das Nações para o Cemitério dos Olivais, em Lisboa. Sendo-me absolutamente impossível deslocar-me para o efeito, acompanho à distância, com profunda tristeza e imensa saudade, a última caminhada do Ribeiro Cardoso. 

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