O Bonbass Palace Hotel não está no roteiro da FIJ

O Bruno Carvalho continua a fazer um trabalho exemplar "no outro lado" da guerra na Ucrânia, relatando, através de vários meios, o que mais nenhum jornalista português quer ou pode ver e contar.

Este episódio é exemplar do silenciamento geral dos media quanto aos ataques, que também fazem, e dos alvos, que também os têm, das forças ucranianas, que a narrativa comunicacional dominante simplesmente ignora.

O ataque ao hotel Donbass Palace é uma iniciativa militar absolutamente condenável e criminosa. Mas não me consta que a FIJ e outras organizações de jornalistas e de defesa da liberdade de imprensa tenham tomado já posição. É pena.

Face à possibilidade de nem todos os meus leitores terem acesso à página do Bruno Carvalho no Facebook, transcrevo de seguida o texto desta manhã. A foto que publico acima, com a devida vénia, é sua e ilustra o referido texto.

Esta manhã ouvi várias explosões no centro da cidade. Logo que soube que o Donbass Palace tinha sido atingido, pus-me a caminho. Muitos dos jornalistas que trabalham na região estão alojados no mais conhecido dos hotéis de Donetsk. Mesmo os que nunca pernoitámos ali, todos nós já alguma vez trabalhámos a partir do bar do Donbass Palace aproveitando a boa qualidade da internet para enviar material audiovisual mais pesado. O edifício de 1938 é emblemático e chegou a ser ocupado pela Gestapo quando a cidade esteve sob o controlo das tropas nazis.

Pelo caminho, percebi que o Teatro Drama também tinha sido atingido enquanto ali se realizavam as cerimónias fúnebres de uma comandante pró-russa que morreu no dia anterior. Este facto torna ainda menos verosímil a versão ucraniana de que foram os próprios russos a bombardear um hotel cheio de jornalistas, entre os quais russos, e a bombardear um teatro com militares separatistas e também do próprio exército russo. Os serviços de inteligência dos dois países sabem bem quem é que está alojado no Donbass Palace e quem o atingiu deve explicar que propósito tinha ao apontar a artilharia pesada contra um lugar onde todos os jornalistas trabalhamos.

Quando cheguei ao hotel encontrei vários jornalistas, muitos deles ali alojados, e o corpo de uma mulher que por ali passava no momento do ataque. O bar está parcialmente destruído, a maioria dos vidros das janelas dos quartos estão partidos e várias viaturas estavam danificadas. Enquanto fazíamos o nosso trabalho de recolher imagens e vídeos, fomos alvo de um novo ataque que nos obrigou a procurar um abrigo dentro do próprio hotel. Nesse momento, ali bem perto, no Boulevar Pushkin, um passeio pedonal com muita restauração, cinco civis morreram, incluindo uma mulher e a sua filha pequena.

Nenhum dos lugares atingidos constituia uma posição militar, nenhuma das vítimas mortais era parte do exército e o ataque a um hotel onde estão alojados tantos jornalistas só pode dar lugar a uma pergunta. Quem quer calar os jornalistas que trabalham em Donetsk cometendo crimes de guerra?

 

[Porque nem sempre consigo actualizar todas as plataformas nas redes sociais, quem quiser acompanhar mais de perto o meu trabalho no telegram pode seguir-me aqui: https://t.me/brunocarvalhoDonbass] 

 

Entretanto, a CNN Portugal difundiu este trabalho do Bruno Carvalho.

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