A Cuba que a RTP não quer explicar

 


Acabo de ver a primeira parte do programa da RTP3 “Janela Global”, dedicada à situação em Cuba. Parece que toda a gente acha normal que o Serviço Público de Televisão se limite a “relatá-la” recorrendo ao arsenal de lugares-comuns sobre o “regime”, olhares enviesados e manipulações grosseiras.

Tudo é apresentado como se fossem verdades absolutas, incontestáveis, não há o menor esforço de colocar em confronto as duas (ou mais…) visões da situação, não é feito o menor esforço de contextualização, designadamente explicando os terríveis efeitos do bloqueio norte-americano a Cuba que dura há mais de meio século e que o tão celebrado democrata Joe Biden não dá o mínimo sinal de interromper, ou pelo menos suavizar.

(Não, não basta inserir as lancinantes palavras do presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, invocando e responsabilizando o bloqueio e sobretudo o seu desafio para que o EUA o levantem, quando a apresentadora se limita a taxá-lo de “argumento clássico do regime”. É precioso ter real vontade de ser equidistante e imparcial e completo e ser consequente nesse propósito.)

O programa coloca em estúdio uma “dissidente” cubana com o propósito exclusivo de alimentar, quanto mais dramaticamente melhor, a retórica da repressão, da forme e outros clichés sobre o “regime” (palavra repetida e repisada até à náusea), incluindo a mais que demonstrada fantasia de falta de conhecimento do “que se passa fora de Cuba”.

(Qualquer pessoa minimamente informada sabe, pelo contrário, que a “ilha dos irmãos Castro” vive permanentemente inundada por incontáveis canais norte-americanos de televisão, muitos deles em idioma espanhol e, evidentemente, com programação de propaganda fortemente anti-castrista.)

Além da referida “dissidente”, não há em estúdio uma única voz que exponha e explique aos espectadores um olhar distinto sobre a realidade difícil, dramática e complexa de Cuba. E, não, não venham dizer que é difícil encontrar “alguém” – um cubano – em Lisboa com um ponto de vista diferente dos “cubanos” que a RTP – ou o programa “Janela Global” – diz que “contestam o regime”.

Bastaria um mínimo de esforço em ser-se minimamente rigoroso. E é pedir muito pouco, quando ao Serviço Pública se exige o máximo de esforço e o máximo de rigor.

De resto, estou curioso para ver como, ao longo do dia de hoje e, sobretudo, nos telejornais da hora de jantar, as televisões tratarão as manifestações de cubanos contra a desestabilização.

Manifestação de cubanos contra a ingerência e a manipulação


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