Espanha: crise e oportunidade

Por toda a Espanha há expressões populares da aspiração republicana


Quando o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e a coligação Unidas Podemos anunciaram um acordo para uma aliança pós-eleitoral de governo, ficou à vista que Pedro Sánchez tem a oportunidade de chefiar o executivo mais à esquerda desde 1936, isto é, o saído da Frente Popular. 


É verdade que, nessa altura, embora o PSOE fizesse parte do grande acordo de esquerdas conformado na ampla Frente Popular, vencedora das eleições, que abrangia também a Esquerda Republicana (IR), o Partido Comunista Espanhol (PCE), o Partido Operário de Unificação Marxista (POUM) e a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), acabou por não integrar o governo, que veio a ser preenchido por republicanos de esquerda. 

Mas é também verdade que socialistas, comunistas, republicanos e outras forças foram capazes de constituir uma heróica muralha de resistência ao golpismo da Falange e de Francisco Franco, apesar de o fascismo ter vencido e prosperado graças ao apoio militar esmagador da Itália fascista e da Alemanha nazi. 

Desde a “transição democrática”, após a morte de Franco, em 1975, que manteve incólume a tralha franquista, o PSOE tem alternado no governo com o Partido Popular (PP) – na fórmula actual e na do seu primórdio, que foi a Aliança Popular constituída por ex-ministros de Franco – , sem ter-se preocupado em criar condições para uma convergência de esquerdas que abrisse perspectivas progressistas para Espanha. 


A "questão catalã"

Na prolongada crise política derivada da fragilidade aritmética resultante das duas últimas eleições, o PSOE, tendo aprendido pouco com a experiência e com a História, voltou-se para o Podemos apenas porque o PP e o Cidadãos (Cs) lhe recusaram a mão estendida ao apoio da direita. 

Isso acontece num contexto de complexa correlação de forças no Congresso dos Deputados e no Senado espanhol e de excessiva crispação com a chamada “questão catalã”, precisamente porque PP e PSOE foram incapazes de encarar as reivindicações dos catalães com a inevitável flexibilidade histórica que se impõe. 

É nesse quadro que a ERC, tendo apenas 13 deputados no Congresso espanhol, que desempenham um papel instrumental na perspectiva do objectivo programático de alcançar a independência, tem para o PSOE e para Sánchez o valor da preciosa chave que lhes permitirá reabrir a porta do poder. 


Arrepiar caminho

Mas o desafio não se resume a manter Sánchez no Palácio da Moncloa, face ao perigoso ascenso do fascismo, que será maior se a aposta num governo de esquerda falhar, e à necessidade de uma inevitável revisitação política do modelo constitucional espanhol, indo para além da solução “transitória” do texto de 1978, como reclama o conflito com a Catalunha. 

Hoje mesmo, no seu 28.º Congresso, a ERC deu novos sinais de que está disponível para patrocinar uma nova solução governativa. Não o faz sem exigências que Sánchez terá de negociar, com a consciência de que quaisquer ganhos para os independentistas catalãs inspirarão os movimentos de outros países do actual Estado Espanhol e de que a direita e a extrema-direita convocarão contra si toda a sorte de fantasmas, ameaças e até violências. 

Bem vistas as coisas, talvez seja tempo de os democratas espanhóis arrepiarem caminho e de repensarem o esgoto e inviável modelo constitucional. Não seria pior irem preparando a extinção da monarquia e o caminho para uma república, talvez federativa…
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