Venezuela: equívocos e perigos da arrogância da União Europeia

É um equívoco pensar que só a FANB apoia Maduro: as manifestações de massas do dia 4 demonstram-no (foto:AVN) 

Dezanove países europeus - Portugal e Espanha incluídos - deram-se à arrogância de emitir um ultimato ao Presidente da República Bolivariana da Venezuela, Nicolás Maduro, para que ordenasse a convocação de eleições presidenciais e de "reconhecer" o auto-proclamado "presidente encarregado", Juan Guidó.


Os seus governos não se deram ao trabalho de esclarecer que efeitos jurídicos - internos e externos - produz tal declaração no quadro das relações externas, na medida em que todas as relações bilaterais, das questões das migrações aos negócios dos empresários de um e outro país, passando pela acreditação de diplomatas, terão de prosseguir através dos canais próprios.

Talvez não percamos a oportunidade de observar, mais tarde ou mais cedo, a angustiada desorientação, por exemplo, entre migrantes portugueses na Venezuela e venezuelanos em Portugal relativamente ao guichê a utilizar para as respectivas necessidades consulares em caso de emergência, ou o desespero de empresários para desembaraçarem negócios com urgência.

A pergunta é óbvia: em caso de necessidade, de que canais diplomáticos lançará mão o Governo português? Falará com a diplomacia de Maduro, ou com a "diplomacia" paralela do paralelo Guaidó, que aliás se tem entretido  nomear "representantes" (ah!, não embaixadores...) em vários países?

O problema é que a coisa é muito séria. Hoje mesmo, a Comissão de Finanças da Assembleia Nacional em desobediência pediu ao Novo Banco, em Lisboa, a "protecção" de activos da Venezuela ali depositados, tendo posto a correr, depois, que a embaixada venezuelana na capital portuguesa tentou movimentar 1200 milhões de dólares para dois bancos no Uruguai, informação esta categoricamente desmentida pela representação diplomática bolivariana. 
  
O pequeno incidente "luso" põe em evidência o elevadíssimo risco de acesso ilegítimo a ativos soberanos venezuelanos domiciliados no estrangeiro, com destaque particular para os da petrolífera estatal nos Estados Unidos, cujos recursos a Administração Trump quer capturar, pondo Guidó a "geri-los". Adivinha-se facilmente uma torrente de querela judiciais em vários países, à conta de legitimidade ou legitimidade do controlo desses bens.

Com aquelas e com outras medidas, os "libertadores" europeus, obedientemente na esteira dos Estados Unidos e seus estados latino-americanos coadjuvantes na campanha de desacreditação do Governo legítimo da Venezuela, prolongada e ferozmente fustigado pela ofensiva diplomática e económica, esperam a desmoralização, a traição e a deserção entre a oficialidade da Força Armada Nacional Bolivariana e a desmobilização das massas,

Não hesitando em atropelar as normas do Direito Internacional, cilindrar a soberania da Venezuela, semear o ódio e a divisão entre venezuelanos e agravar ainda mais a situação económica do país pela qual já são mais do que responsáveis, esses países enfrentarão, contudo, a resistência às suas agressões. As possibilidades de uma deflagração violenta entre venezuelanos com o envolvimento de forças estrangeiras nunca esteve tão perto. 

No regresso da viagem ao Panamá, o papa expressou, há uma semana, o seu receio de que a situação na Venezuela degenere num banho de sangue, mas, que se saiba, não esboçou um gesto para conter as "notas pastorais" e os comunicados incendiários da Conferência Episcopal da Venezuela. 

Tão-pouco Francisco resistiu, hoje, à tentação da resposta mais fácil e hipócrita ao pedido de Nicolás Maduro para que medeie o diálogo, ao dizer aos jornalistas que estará disponível para essa tarefa se forem as duas partes a pedir a mediação. Ele sabe, como todos nós, que Guaidó e a sua trupe não querem diálogo algum e que jamais o pedirá.

OBS: Quinto e sexto parágrafos alterados em 06.02, às 11:25
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